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(Munch, 1885, Autorretrato com Cigarro Aceso)

 

(Na Revista UpPharma)

 

 

 

 

O Veneno de Vocês

por Isabel Fomm de Vasconcellos Caetano

 


Comecei a fumar com 13 anos de idade. Na minha casa, todos fumavam, menos a minha (sábia!) mãe que, ao voltar do supermercado, carregando pacotes de cigarros, jogava-os sobre a mesa da nossa copa, dizendo: "Já trouxe o veneno de vocês".

Meus irmãos eram respectivamente 17 e 15 anos mais velhos que eu. Alvan trabalhava na TV e fumava de três a quatro maços de cigarros por dia. Alfredinho, que tinha uma doença mental, fumaria o mesmo, não fosse a minha mãe, Wanda, sempre controlar a quantidade que ele consumia. O resultado desse controle é que Alfredinho, quando via alguém chegar -- visita ou cliente -- ia logo perguntando: "Tem um cigarro aí pra me dar?"... Meu pai não ficava atrás: três maços por dia.

Na nossa velha casa, em "continuação" à residência, estavam o atelier de costura da minha mãe e o laboratório de cinema do meu pai. Era uma casa animada e sempre cheia de gente interessante, muitos famosos, inclusive. Todos fumavam. Ricos, pobres, anônimos, intelectuais, políticos, celebridades, gerentes e funcionários. Era um fumacê sem medida.

Natural que eu, ainda menina, também quisesse fumar.

 

Estava na moda. Era chique. As revistas femininas traziam várias sugestões de poses elegantes para se portar o cilindro de papel recheado da venenosa nicotina.

 

O réveillon de 1979-1980, passamos juntos, só minha mãe, meu pai e eu, no Castelo. Dado momento, ele disse: "-- Vou fumar meu último cigarro à meia noite. " Olhei pra minha mãe e caímos, as duas, na risada. Ele fumava três maços por dia! Imagine se conseguiria parar à meia noite e nunca mais... Mas foi exatamente o que ele fez. Fumou seu último cigarro antes da meia noite de 31 de dezembro de 1979. E nunca mais.

 

Sete anos depois ele estava muito doente, o médico deu-lhe alta do hospital, mandou-o de volta para casa para que ele morresse no conforto do lar, cercado de seus queridos e não entubado numa fria UTI. Era 1987. Eu já estava casada com o Meu Amor Mauro Caetano e já trabalhava na TV, como produtora e apresentadora. Num fim de tarde, Mauro e eu fomos vê-lo. Ele estava sentado na sua poltrona predileta. Estava meio frio e ele vestia um cardigan de lã sobre a camisa. De repente, começou a bater com as mãos nos bolsos. Perguntei:

-- O que você está procurando, pai?

-- Meus cigarros.

Eu ri:

-- Mas você parou de fumar há mais de 7 anos!

E ele:

-- Mas quero fumar.

Não tive dúvidas. Dei-lhe um cigarro, acendi-o e deixei com ele meu maço e meu isqueiro.

 

Mais tarde, já em casa, me senti culpada. Liguei pro médico dele:

-- Você fez bem, Isabel. Deixe-o morrer satisfeito. -- disse o doutor.

Na verdade, ele passara 7 anos com vontade de fumar... O vício -- que alguns médicos delicados que entrevistei pela vida afora chamam eufemisticamente de "hábito" -- nunca abandona totalmente o viciado.

 

Meu pai, Alfredo Fomm de Vasconcellos, morreu alguns dias depois de voltar a fumar, em 27 de abril de 1987.

 

Já o meu irmão, Ronaldo Alvan, era sobejamente conhecido por jamais estar sem um cigarro aceso nas mãos. Fumava uns 4 maços de cigarros por dia. Lembro-me da sala dele, numa das TVs que ele dirigiu. Uma sala enorme, com 5 grandes telas de TV, ligadas cada uma em um dos canais concorrentes, uma mesa imensa, um monte de papeis (era pré-computador) e cinco cinzeiros grandes. Quando ele se concentrava no trabalho, esquecia um cigarro aceso num cinzeiro e acendia outro... Foi nessa sala que ele me disse: “Fiz uma conta, Bel. Já fumei, até hoje, na vida, dois apartamentos”

 

Quando Mauro e eu nos mudamos para um apartamento, aqui no Pauliceia, onde tinham morado, por cinco anos, minha mãe e meus dois irmãos (eles se mudaram para a praia), em 2003, mandamos, antes de nos mudarmos, pintar o apartamento. E continuamos morando no outro, onde já estávamos havia 18 anos, enquanto a reforma corria. Uma tarde, me interfona o pintor:

-- Dona Isabel, o seu Caetano quer as paredes todas brancas! Mas eu não consigo!

-- Ué, por que?

-- Porque eu passo a tinta e, quando ela começa a secar, surgem grandes manchas amareladas.

 

Era a nicotina, impregnada nas paredes. Foi preciso lixar o reboque e depois pintar para conseguir paredes brancas.

 

Nessa época, meu amor, Mauro Caetano já não fumava. Tinha parado em 1994. Lembro-me que ele chegara do trabalho e dissera:

-- Bel, eu não vou fumar mais.

-- Por que?

-- Porque não está mais na moda.

 

Como acontecera quando meu pai anunciara sua decisão de parar com os cigarros, também não acreditei. Mas o meu amor nunca mais fumou, até morrer jamais colocou novamente um cigarro na boca.

 

Meu irmão Alvan morreu aos 68 anos de idade, em 2004. De câncer no pulmão com metástase no cérebro.

 

Aí fui eu quem parou de fumar! Eu já tinha parado, no meio dos anos 1990, mas por poucos meses. Depois voltara.

 

Não sei se meu pai e meu amor sofreram tanto quanto eu para parar. Se sofreram, nada disseram. Mas eu sofri. Foi difícil. Por fim, consegui. Parei no final de 2003, um pouco antes da morte do meu irmão.

 

Em 2019, porém, com grande tristeza vi esse nosso ex-presidente assumir o governo do país. Foi uma imensa decepção. Nunca acreditei na máscara que ele vestiu pra se eleger: máscara de honesto, não corrupto, sério e dedicado, prometendo cercar-se de gente tecnicamente capaz... Pois sim! Enganou todo mundo. Cercou-se de gente da sua laia, sem empatia, sem compaixão e, principalmente, sem competência para atuar na máquina pública.

 

No dia 1 de fevereiro desse mesmo ano, 2019, meu amor operou o joelho. Mauro Caetano trocou o joelho natural por um outro, uma prótese de titânio. Estava com 80 anos de idade e tinha uma doença neurológica erroneamente -- então -- diagnosticada como Parkinson. Eu era contra a operação, achava um absurdo na idade e nas condições neurológicas dele, fazer uma cirurgia ortopédica desse porte.

 

O joelho ficou ótimo, mas a cabeça dançou! Ele entrou num DPO -- Delírio Pós-Operatório -- que durou nada mais nada menos do que 6 meses. Tinha dias lúcidos e dias delirantes. Precisou de cuidadores e de muita fisioterapia. Eu, sobrecarregada: ao meu trabalho diário no Portal, somaram-se as atividades que ele já não podia realizar, contas da casa e do portal, administração financeira da nossa vida!

Dizem que desgraça pouca é bobagem. E é mesmo. Nesse contexto louco e surreal (meu inteligentíssimo marido em DPO e o governo do meu país na mão de gente fracamente sem competência)... voltei a fumar!

 

Mas só fumava quando ele estava mal, o meu amado. Nas semanas em que ele "voltava" e estava bem, eu nem comprava cigarros.

 

Nosso amigo, Mr.Volpi, quando chegava aqui na Janela da Paulista para as gravações de nossos vídeos, perguntava:

-- Você está fumando hoje, Bel?

Se eu respondia "não", ele dizia:

-- Ah, que bom! Então o Caetano hoje está bem.

 

Meu amor morreu no dia 27 de julho de 2021. Nunca mais deixei o cigarro. Fumo até hoje. Tenho 71 anos, sou cardiopata e tenho um marcapasso cardíaco dentro do peito.

 

Nessas quase duas décadas sem cigarro, nas nossas muitas festas, eu filava cigarros dos nossos convidados fumantes. Mas nunca voltara a fumar. Agora cá estou eu, consumidora voraz do que minha mãe chamava de "o veneno de vocês".

 

Na verdade, a gente nunca se livra desse veneno. Por isso, meus jovens queridos, não comecem! Nunca experimentem. Se o fizerem, ficarão como nós: pobres dependentes da maldita nicotina!

 

Para a saúde feminina então o cigarro é ruim demais: estreitando os pequenos vasinhos da circulação imediatamente subcutânea, acaba causando o precoce envelhecimento da pele.

 

Além de que pode causar câncer, gangrena (levando à amputação de membros), problemas cardíacos, hipertensão... Um montão assim de coisas ruins. Ainda acaba com o nosso olfato e com o paladar. Lembro-me de, ao ter parado de fumar, ter ficado deslumbrada, entrando na cozinha antes do jantar, ao sentir o cheiro do alface!

 

Pois é. Mesmo sabendo de tudo isso, cá estou eu, fumando! Por isso, repito: é preciso nunca começar. Hoje, entre os jovens, existe o mito de que o cigarro eletrônico é inofensivo. Não é. É pior ainda que o convencional.

 

Quanto a mim, sei que vou parar qualquer dia desses, quando a vida estiver mais alegre, quando houver mais esperança, quando eu puder dispensar a muleta mental da venenosa nicotina. Porque acontece comigo algo muito estranho: eu só fumo em casa! É interessante. Quando saio, não levo cigarros e nem me lembro que eles existem... Vá aonde for, casa de amigos, festa, lançamento de livro, médico... Não fumo e nem tenho vontade de fumar. Mistérios...

 

Isabel Fomm de Vasconcellos é autora, com 21 livros publicados, apresentadora de TV, youtuber, jornalista pioneira em programas médicos na TV e especializada em saúde. isabel@isabelvasconcellos.com.br

 

 

Maria De Fátima Rodriguez M

Isabel Fomm de Vasconcellos, li tudinho, me identifiquei com alguns recortes, outros não. - Enfim, era mesmo charmoso fumar havia até um cigarro com este nome.- Achava tbm que a vida não teria graça sem ele, o cigarro, mas em dezembro de 1988 , resolvi nunca mais fumar.Não ia ao cinema por não me sujeitar 2 h sem ele. Fumei em minhas 2 gravidezes, três filhos.🤣Fumava,fumava...

Até que um dia comecei a perceber que o cigarro fazia a pele ficar feia, envelhecida , empalidecida os cabelos fediam...As unhas amarelavam..., a nicotina vai acabando com toda a beleza e saúde , principalmente nas mulheres, não sei o porquê.- Parei pra nunca mais...É o único nunca que digo, nunca mais por nada voltarei a fumar.Fumar é , com certeza, meu maior arrependimento.

E como todo ex é chato...em minha casa ninguém fuma e felizmente meus filhos odeiam o tabaco.Talvez pelo cheiro sentido em um por um tempo ...- Não fumem! Não há um benefício, além da ilusória sensação de calma.Um abraço, Isabel!

Isabel Fomm de Vasconcellos

Maria De Fátima Rodriguez M Sim, uma das maiores motivações que tive para parar, em 2003, foi a pele. Mas agora simplesmente não estou querendo parar, essa é que é a verdade. Talvez com um Brasil melhor eu acabe me aninamando e pare outra vez!

Maria De Fátima Rodriguez M

Isabel Fomm de Vasconcellos, tudo o que escrevo é digitado do meu celular até doei o meu notebook. Nem sei lidar com computador.

Por isto os parágrafos ficam meio bêbados.🤣 Vírgulas ,,,,, elas é que mandam no teclado.- Enquanto fazia o jantar, um tutu bem mineiro fui lendo seu texto..Resolvi comentar ao mesmo que mexia no fogão.É mto cheiro de alho, cebola e bacon.💃 

 

Nabil Ghorayeb

Muito forte relato

Isabel Fomm de Vasconcellos

Nabil Ghorayeb Feliz que tenha gostado.

 

Ana Luiza Peres

Adorei prima 👏🏽👏🏽

 

Roseli Zampirolli

Sei bem o que é... mas com chocolate.... e pior, que engorda e traz outros tipos de males. Se estou feliz comemoro com ele... se estou triste, ele me consola. Ansiedade, depressão, tensão ou aflição... chocolate é a solução!!! Oh vício bendito!!!

 

Sheila Santos

Eu me lembro exatamente do dia em que o Caetano deixou de fumar e ele falou exatamente isto para mim também. Sheila, você devia para de fumar também, não está mais na moda. Agora é a nova geração Saúde. Saudades!!

Isabel Fomm de Vasconcellos

Sheila Santos E você nunca deixou, né? Mas, pro Caetano, você sabe, estar na moda era importante!

 

 

Égila Silva

Que lindo texto Amiga. Admiro você, esse seu trabalho maravilhoso, ainda irei em algum lançamento de seus livros. Hoje nos dias atuais, os venenos atuais matam muito mais rápido que a nicotina néh Amiga, o crack, maconha e o charmoso cigarro eletrônico( proibido em Brasil). O DPO, passei por essa situação com meu pai, muito difícil Amiga. Você é um exemplo a seguir, uma grande mulher. Deus abençoe Você!

Renata Rainho

Lembro que minha família comprou um Passat 1979 que tinha em todo interior nicotina grudada.

Isabel Fomm de Vasconcellos

Renata Rainho Devem ter comprado do Alvan...😄 

 

Mônica De Lima Azevedo

Que texto bonito e forte! Também voltei a fumar a

duas vezes , quando tive doença séria na família . Parei novamente há um ano. Vamos ver se consigo ! Bjs querida 😘 

Isabel Fomm de Vasconcellos

Mônica De Lima Azevedo Beijos, amada. Saudades de você!

 

Janete Borges de Gouvêa

Eu nunca fumei mas, nos anos dourados, quando era chique fumar, o cheiro do cigarro era suportável, lembrava cheiro de fumo de cachimbo, tinha um perfume. Depois que as fabricas começaram a misturar uma quantidade imensa de venenos, ficou insuportável. Por isto, quem fuma, quando está entre pessoas, mesmo que sejam próximas, deve curtir o seu cigarro sozinho e não incomodar ninguém, porque incomoda demais, diferentemente daquela época.

 

Sérgio Câmara

Li, por inteiro , o seu magnifico texto. Agora, vou contar a minha estória.Comecei a fumar , tragando, em janeiro de 1959. Tive algumas interrupções ,sendo que em 2008, fiquei oito meses sem fumar.Retornei , fumando mais ainda, mas eu fumava , invariavelmente, um maço a cada dois dias, nem mais, nem menos. Em setembro de 2018, tive uma forte gripe , que me obrigou a fazer uma ultrasonografia dos pulmões.resultado: cinco nódulos , ainda benignos , em CADA pulmão e tbm em cada, um traço de ENFISEMA. O que ? enfisema ? é uma doença terrivel em que vc acaba morrendo afogado no seco , ou seja, vc morre com falta de ar, sem respirar. Em vista disso, no dia 4 de outubro de 2018, dia em que eu fui apanhar os resultados dos exames, no hospital, acendi o meu ultimo cigarro. Fumei-o lentamente e com prazer, mas com a decisão de ser o ÚLTIMO e realmente O FOI. Meu maço ainda tinha oito cigarros, mas ao chegar em casa, dei-o para minha mulher, com a instrução seguinte: JOGUE NO LIXO. AGORA. E, NUNCA MAIS FUMEI.embora ainda vez por outra , tenha vontade. Mas, NÃO FUMO. foram 59 anos de fumaça, mas ACABOU. Tudo na vida tem solução. Faço votos para que vc pare de fumar.

 

Isabel Fomm de Vasconcellos

Sérgio Câmara Vou parar. Não sei quando, mas sei que vou. Cigarro é um horror. Faz sujeira demais. Deixa o ar impregnado. Vou parar. Obrigada por seus votos.

 

Sérgio Câmara

Detalhe: eu tinha 14 anos incompletos qdo comecei a fumar e parei aos 73. Espero chegar aos 90.