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7. Pedidos de Natal
 

(Sueli Pinotti,2012, O Coral de Natal)

Ele não interrompeu a narrativa dela. Lá fora, na calçada do banco que ficava em frente ao bistrô, um coral se apresentava e uma pequena multidão se acotovelava para ouvir as canções de Natal.

 

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Foi na televisão que descobriu seus sonhos. Sonhava com as mais belas roupas, sonhava com os automóveis luxuosos, sonhava com cabeleireiros e institutos de beleza, sonhava com a Rua Oscar Freire.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Messias Vito era o nome do rapaz e, como Magdala, ele também tinha um nome de guerra: Kiki Besteira, a maior audiência matinal de uma rádio AM bem colocada no ranking das emissoras paulistanas e com milhões de acessos na Internet. Kiki, em seu programa, denunciava todas as besteiras cometidas por figuras públicas, nacionais e estrangeiras.

conto de Isabel Fomm de Vasconcellos

publicado no livro "Primeiro Chegam os Anjos"


Magdala

Magdala era o seu nome de guerra. Na verdade, chama-se Magdalena e nascera numa pequena cidade do interior do estado.
Seu pai era mestre de obras e sua mãe cuidava da pequena casa onde viviam. A vida não era muito fácil, já que o casal tinha, além dela, mais quatro filhos, dois homens e mais duas mulheres. Os meninos começaram cedo a trabalhar. Um era mecânico de automóveis, profissão que aprendera com um vizinho da família, que tinha uma pequena oficina. Outro foi trabalhar como empacotador de um supermercado, o primeiro estabelecimento do gênero que se instalara na pequena cidade. A irmã mais velha arrumou um lugar de recepcionista com um dos médicos que tinha consultório no bairro e a do meio era babá na casa de uma das famílias mais tradicionais da região. Só Magdalena, a caçula, apenas estudava e via televisão a tarde inteira.


Foi na televisão que descobriu seus sonhos. Sonhava com as mais belas roupas, sonhava com os automóveis luxuosos, sonhava com cabeleireiros e institutos de beleza, sonhava com a Rua Oscar Freire.
 

Quando a primeira lan house se instalou na cidade, Mada foi uma das primeiras frequentadoras. Bonita e charmosa, insinuou-se para o dono do lugar e logo ele concluiu que aquela morena poderia ser um excelente chamariz para o seu estabelecimento. Assim, ensinou a ela os mistérios do computador e, em troca da recepção aos clientes que ela fazia todas as tardes e começos de noite, era permitido a ela navegar pela Internet sem pagar.
 

Foi na Internet que ela acabou conhecendo um rapaz com quem frequentemente conversava num site de relacionamento. E, ingenuamente, contou a ele seus sonhos. Estava meio velha – tinha 17 – para ser modelo, mas sonhava em conseguir um trabalho na capital e subir na vida, poder andar nos carrões que via nas novelas de TV, poder fazer compras no Iguatemi e na Oscar Freire...
 

Ele – Demóstenes era seu nome, Demo, o apelido – prometeu que, no ano seguinte, quando ela completasse 18 anos, mandaria uma passagem para que ela viesse trabalhar em São Paulo. Ela não era a recepcionista da lan house? Poderia ser recepcionista na empresa dele, que atuava no ramo de entretenimento.
 

Naquele ano, Mada concluía seu curso de segundo grau. A família fazia discreta pressão para que ela afinal, a exemplo de seus irmãos, conseguisse um emprego. Então ela anunciou que, ao completar 18 anos, em fevereiro, viajaria para São Paulo, onde já conseguira um trabalho e, na capital, se prepararia para prestar vestibular.


Para seus pais, e até para os seus irmãos, era difícil ver partir para a cidade grande, tão cheia de perigos, a caçula da família. Mas, na simplicidade dos seus sentimentos, todos compreendiam que aquela menina era especial, que tinha um destino a cumprir, diferente e talvez mais grandioso do que as felizes rotinas de seus irmãos.


Então, como acontece a tantas moças ingênuas e sonhadoras, um dia Mada desembarcou em São Paulo para descobrir que o emprego que a esperava era o de garota de programa de uma casa sofisticada num bairro nobre da cidade.


Ela, que jamais passara das preliminares do sexo com seus eventuais namoradinhos do interior, sentiu-se traída, vilipendiada, assustada. Mas, diante dos argumentos do patrão, concluiu que, para ela, aquele seria o único caminho possível para uma vida de luxo.


E a vida se tornou mesmo um luxo. Numa única noite, a nova Magdala ganhava duas vezes o que Magdalena ganharia num mês como recepcionista.


Não era muito fácil aguentar as fantasias idiotas dos clientes, a humilhação de algumas práticas, a estupidez de outros. Mas havia também os carinhosos, o bons de cama, os generosos. Recebeu várias propostas para sair da casa e tornar-se a amante oficial de alguns. Ela ria e dizia que sua liberdade não tinha preço.

 

Foi se sofisticando. Frequentava bons salões de beleza, lojas de alto luxo e era uma das moças mais disputadas da casa. Tudo era encanto. Uma nova bolsa. Um sapato italiano. Um vestido de seda. O ambiente chique e lindo dos salões de beleza, o perfume dos produtos... O preço a pagar por isso parecia até baixo.

Messias

Messias Vito era o nome do rapaz e, como Magdala, ele também tinha um nome de guerra: Kiki Besteira, a maior audiência matinal de uma rádio AM bem colocada no ranking das emissoras paulistanas e com milhões de acessos na Internet.

 

Kiki, em seu programa, denunciava todas as besteiras cometidas por figuras públicas, nacionais e estrangeiras, em todas as áreas, dos políticos aos atores de novela, passando por nomes da vida cultural e social, celebridades e – o que ele mais gostava – mesmo gênios. “Todo o grande QI tem seu dia de bonobo”, costumava dizer ele.


Naquele dia, saindo da rádio depois de seu programa, subiu até a Avenida Paulista, a pé, para dar uma espiada nos tais enfeites de Natal que, desta vez, estavam atraindo tanta gente que, na noite passada, a polícia tivera que interditar uma das pistas e desviar os automóveis para as alamedas paralelas porque a multidão simplesmente não cabia mais nas calçadas. E olhe que as calçadas da avenida eram enormes!

 

Não que Messias ligasse para o Natal. Não ligava. Não tinha religião, dizia-se agnóstico e acreditava que as festas natalícias eram uma maravilhosa maneira de girar a economia, incrementar o comércio e usar o nome do tal Deus em vão...


Admirando a suntuosa decoração dos edifícios, pensou em almoçar por ali mesmo, os restaurantes ainda mais lotados do que habitualmente mas, ele percebia, hoje também recebendo pessoas animadas, sorrisos, certamente pela perspectiva do período de festas e, para a maioria, de folga do trabalho.

 

Messias andava cansado de almoçar sozinho olhando as caras feias nas mesas ao redor. Sozinho, aliás, era a palavra que melhor o definia. Na rádio – seu reino – tinha um séquito de doze pessoas na sua equipe e milhões de ouvintes fiéis. Ali, todas as manhãs, de segunda a sábado, não se sentia só. Mas no resto... Só amizades profissionais, a família toda em Minas, seu estado natal, nenhum amigo, nem do tempo dos estudos, todos casados e, portanto, solteirões como ele (já tinha mais de 40) não eram muito benvindos em círculos de casais com filhos. Quanto às mulheres, apenas aventuras. Quando aparecia uma com quem ele acreditava que pudesse se envolver lá vinha um lamento do tipo “não posso pagar”, fosse por um vestido, um tratamento dentário ou estético.

 

As mulheres tinham aquela grande ilusão de que todo mundo que estava na mídia, principalmente no comando de um programa de sucesso, como era o caso dele, nadava em dinheiro. A realidade era muito diferente. E mesmo que não fosse, tudo o que ele não precisava era uma mulher interesseira ao seu lado. Mulheres solteiras havia aos baldes. Mas a companheira que ele sonhava... Ah... Nunca aparecera.


Já que era Natal, pensou ele, deveria fazer um pedido a Papai Noel, ao Universo, a Deus, ao que quer que fosse. Mentalmente pediu: – Olha aqui, Deus, Universo ou Papai Noel, vê se consegue pra mim a companheira dos meus sonhos.
Nesse exato momento, seus olhos bateram naquela morena bonita, carregada de pacotes.
...


Magdala, que vinha das compras de Natal, caminhando na Paulista, carregando os presentes que pretendia despachar para a família no interior, percebeu que alguém a seguia. Ou estaria imaginando coisas? Era um quarentão charmoso, nem bem nem mal vestido. Pensou que era coincidência demais ele parar numa vitrine ou numa banca de jornal a cada vez que ela também parava. Não havia tantas vitrines assim na avenida e, algumas vezes, ele teve que passar à frente dela para ter uma vitrine como desculpa para parar. Numa dessas vezes, quando ela ia passando por ele:
– Desculpe-me... – disse aproximando-se dela – Você não é a Beatriz, que foi minha colega no SENAC?


Ela riu. O rapaz tinha uma linda voz e pinta de boa gente.
– Essa cantada é velha...
 

Ele também riu:
– O que mais eu poderia dizer para me aproximar de uma moça maravilhosa como você?
 

Foi o começo de uma grande paixão.
Imediatamente começaram a conversar, se entendiam às mil maravilhas e dois dias depois, quando conseguiram afinal passar a tarde fazendo amor no apartamento dele, tiveram certeza de que tinham mesmo nascido um para o outro.

 
E agora, pensava Magdala, como ter coragem de contar a ele que era uma garota de programa? Passou a viver angustiada, morrendo de medo que ele descobrisse e tentando driblar seus compromissos profissionais. Por sorte, ele tinha que acordar muito cedo e preservar sua bela voz não estando, portanto, disponível para programas noturnos, que eram o forte na carteira de clientes de Magdala.


Seu grande temor era o próximo sábado. A única noite em que ele poderia sair com ela, dormir tarde, já que no domingo não tinha programa de rádio. Sábado era o dia de maior movimento para Magdala. No anterior ela mentira, dissera que estava menstruada e com dor de cabeça e conseguira uma folga. Mas não poderia mentir eternamente. Resolveu então se enfiar no cabeleireiro, um ótimo lugar para relaxar, fazer confidências e receber conselhos.
– Conte pra ele – dizia o Jean, enquanto penteava o cabelo dela. – Se você está disposta a largar o seu trabalho e mudar radicalmente de vida, melhor contar. Ele vai acabar descobrindo mesmo.


– Ai, Jean, vira essa boca pra lá! – exclamou ela.


– Meu bem – disse ele – não adianta querer viver de ilusão, não é? Se você não abrir o jogo e ele souber, vai ficar muito mordido. Então conta logo. Hoje em dia ‘tá assim de homem que casa com menina de programa. Antigamente, nem pensar! Mas eu até ouvi outro dia um primo meu dizendo que não se casaria com uma pros... ãhn... com uma menina de programa, mas casaria com uma ex menina de programa, entendeu? Aproveite que é Natal e peça logo pro menino Jesus fazer ele te compreender... – e deu uma gargalhada – Menino Jesus é mais poderoso que Santo Antônio, né, minha santa?


Magdala saiu do salão disposta a romper com a vida que levava. Disposta a romper, antes de contar pro Messias. Não acreditava que fosse justo só romper depois que ele estivesse disposto a compreender o seu passado.


– Vou falar agora mesmo com o patrão! – decidiu.
 

Aquele que Magdala chamava de “patrão” era um dos mais influentes cafetões de luxo da cidade. Tinha uma rede de boites, casas de swing e edifícios chiques para encontros discretos de gente muito rica e/ou muito poderosa. Magdala ganhava muito bem, tinha seu próprio apartamento alugado nos jardins, frequentava os mais badalados estabelecimentos, já conhecera, acompanhando empresários e executivos, muitos lugares da moda em boa parte do planeta.

 

Aprendera a falar, a se portar, a se vestir, se maquiar. Passaria por uma menina rica. E estava apenas havia quatro anos nessa vida. Até um pouco de inglês já falava e, inteligente, caçava informações de arte, cultura, literatura, geografia, história e o que mais precisasse, na Internet.

 

Muitas vezes tinha ouvido falar contra o seu “patrão”. Demóstenes Correia já fora até condenado em alguns noticiários de TV, chegara a ser detido, mas tinha as costas largas demais para realmente se dar mal. Diziam que ele explorava os jovens, garotas e garotos de programa, que os escravizava, que ficava com a parte do leão. Magdala não dava ouvidos a nada disso. Achava – como certa vez lhe dissera um cliente – que o Demo administrava muito bem os seus negócios e era um ótimo empregador. Todos os seus “funcionários” tinham assistência médica, benefícios e até um fundo de pensão para a aposentadoria que, nesse ramo, era um tanto precoce.

 

Fôra acusado de estar metido com drogas, mas Mag sabia que ele não era trouxa. Drogas não entravam em suas casas, nem mesmo uma inocente maconhazinha. Se o cliente consumia drogas, problema dele, mas nunca fora dos aposentos particulares. De fato, tanto Mag quanto a maioria dos garotos que trabalhavam para Demo gostavam dele. A figura do cafetão que explora e maltrata fisicamente suas prostitutas parecia coisa de um passado remoto ou de outro mundo, que nada tinha a ver com o mundo deles. Por tudo isso Mag acreditava que poderia demitir-se, como em qualquer empresa.

 

Pediu para falar com Demóstenes. Só conseguiu ser recebida por ele, em seu luxuoso escritório, três horas depois. E ficou sabendo que não teria nenhum problema para desligar-se dele, desde que pudesse pagar por tudo o que lhe devia.
 

– Como assim? – perguntou ela. – Eu não lhe devo nada.
 

Ele então projetou na grande tela ao seu lado a imagem da planilha que abriu no computador. Lá estavam contabilizadas todas as “dívidas” de Mag: drinks, refeições, roupas de cama, translados, telefonemas... Dia a dia, em quatro anos, somava uma pequena fortuna... Lágrimas vieram aos olhos dela. Compreendera, afinal, porque chamavam Demóstenes Correia de feitor de escravos. Ela era sua escrava. Mas não se daria por vencida.


– Esta bem – disse ela – Se eu parar agora, qual é o prazo que você me dá?
 

– Querida – respondeu ele com voz doce – não somos uma financiadora. Isso aqui é um negócio. E olhe que não estou lhe cobrando por transformar você, de uma caipirinha ingênua, em uma jovem requintada e viajada. Além do mais, o que vou dizer aos seus clientes? Que você foi embora, que se cansou deles, apenas por que se apaixonou por um radialista metido à besta?
 

Ela estava havia pouco mais de uma semana com Messias. Como ele...?
 

– Meu bem – continuou o Demo, adivinhando-lhe o pensamento – nós sempre nos mantemos completamente informados sobre as atividades das nossas anjinhas e anjinhos.
 

– Veja – disse ele – você é uma das minhas melhores profissionais. Agora vem o Natal. O movimento cai bastante. Vou lhe dar uns dias de folga. Faça compras, vá ao cinema, encontre seu namorado e pense bem se vale a pena jogar tudo para o alto por causa dele. Você pode ter as duas coisas. Pode ter o radialista e seus clientes. Não atrapalhando o seu trabalho, eu não tenho nada contra. Nas suas horas de folga, você pode fazer o que quiser.
 

Magdala saiu de lá transtornada. Jamais percebera que não era uma mulher livre.
 

Entardecia. Caminhando pelas avenidas enfeitadas para o Natal, lágrimas escorriam e turvavam sua visão, transformando as luzes e os brilhos dos enfeites em borrões coloridos. Magdalena começou a pensar nos Natais de sua infância, quando toda a família se reunia na casa de seus avós maternos. Cada tia levava um prato típico da ceia. Os enfeites eram simples, ridículos, se comparados ao que existia aqui. A árvore era de plástico e ráfia verde, comprada pela avó muito antes do nascimento daqueles netos, seus primos e irmãos, enfeitada com bolas que quebravam e luzinhas piscantes. A avó tinha orgulho do maravilhoso presépio que montava na varanda de sua casa. Durante anos e anos fora enriquecendo o presépio com mais e mais figuras, trazidas para ela por amigos e parentes, imagens de tamanhos desproporcionais, de lugares distantes, todas ali, reverenciando o menino Deus deitado na manjedoura.

 

Pensando nisso ela sentia um grande constrangimento, como se o luxo e a sofisticação das decorações de Natal daquela parte nobre da rica metrópole estivessem zombando do orgulho simples com que sua família exibia e admirava o presépio da varanda da casa de sua avó. Pior. Como se a vida luxuosa (e pecaminosa, imaginou o reverendo da matriz a dizer) que ela levava fosse, ela própria, uma grande zombaria aquelas pessoas de sua família que, em seu despojamento, estiveram sempre cheias de amor e carinho para com ela e que lhe mandavam, a cada Natal, presentes simples, ingênuos mesmo, que sempre faziam com que ela se sentisse muito, muito mal. Era a compota de figo, feita pela mãe, uma blusinha de crochê, pelas mãos da vovó... E ela comendo tiramissu nos mais caros restaurantes paulistanos e usando as “blusinhas” de mil reais da Oscar Freire...


Quase sem querer seus passos a levaram ao edifício da rádio, na Rua Augusta. Era quinta feira. Messias lhe dissera que às quintas, à tarde, os comunicadores e os diretores, o artístico e o comercial, se reuniam para avaliar o IBOPE da semana e o desempenho de cada programa, tanto em conteúdo quanto em comercialização. Ele estaria lá. Mag sentou-se na lanchonete do térreo, bem defronte aos elevadores. Se ele estivesse lá, ao sair, a veria. Se não estivesse... Era como um jogo. Estava decidida a contar a ele a sua história, se ele estivesse lá.
 

Pensava: se não contasse, ele acabaria descobrindo. Se ele descobrisse, se sentiria traído. Se ela contasse e ele também se sentisse enganado, paciência. Pelo menos, contando, havia uma chance de não perdê-lo.
 

Eram 11 da noite quando Mag e Messias saíram do bistrô aonde tinham se refugiado quando ela lhe disse que precisavam conversar seriamente.
 

Pensou que choraria, ao contar a ele. Mas não chorou. Na verdade, refletia, não era uma história triste. Fora a sua opção de vida.
 

Ele não interrompeu a narrativa dela. Lá fora, na calçada do banco que ficava em frente ao bistrô, um coral se apresentava e uma pequena multidão se acotovelava para ouvir as canções de Natal. Messias pensou que parecia uma trilha sonora de novela, servindo de pano de fundo para as palavras dela.
 

Quanto mais ela falava, mais ele se apaixonava. Quando ela terminou, ele disse apenas:
– O apartamento onde você mora também é do Demóstenes?
 

– É de uma senhora idosa que ele me apresentou...
 

– É dele – disse Messias secamente. Deve ter câmera ou escuta.
 

Mag achou que ele via filmes policiais em excesso.
 

– Nunca mais pisaremos lá – ele continuou. – Você paga aluguel como? Pelo banco? Na imobiliária?
 

– Deposito na conta dela, da proprietária.
 

– Quando vence seu contrato? Tem multa?
 

Por sorte, vencia em março. Assim resolveram que pagariam os três meses de uma só vez e mandariam entregar as chaves na portaria.
 

– Mas e o que eu devo ao Demo? – perguntou Mag.
 

– Você não deve nada. Não se preocupe. Sou jornalista. Também conheço gente importante. Amanhã mesmo, saindo do programa, irei ver um amigo que se encarregará de acalmar o Demo. Eu sei que esse diabo de homem deve dizer a você que não quer perdê-la, que você é uma das suas melhores profissionais. Mas você já está ficando velha pro negócio dele. Não vai ligar muito, não. Em quatro anos você já foi uma mina de ouro.
 

– E agora? Devo fazer minhas malas e me mudar, então?
 

– Você não me entendeu. Você nunca mais vai pisar naquele apartamento. Hoje você dorme lá em casa. Amanhã vai comigo para a rádio, mais tarde vamos comprar tudo o que você precisar, roupas, maquiagem, tudo... Na semana do Natal meus programas não serão ao vivo. É a única folga que tenho no ano. Vamos para a casa de seus pais, no interior e você vai me apresentar à sua família como seu namorado e eu vou pedir sua mão em casamento ao seu pai. Vamos passar o Natal com eles.
 

Mag começou a rir.
– Mas nós nos conhecemos há apenas...
 

– Não – interrompeu ele – nós sempre nos conhecemos, você é a mulher pela qual eu esperava e eu sou o seu homem. Sempre fui e sempre serei.
 

– Mas o meu passado, o dinheiro, as coisas que vou perder, a minha suposta dívida... Quanto vai custar tudo isso? Você não é milionário.
 

– Não interessa. Dinheiro é o de menos. Foi feito pra se gastar. Vai e vem. E, depois do Natal, você também vai procurar emprego, mocinha. Acabou a moleza, certo? Vamos viver a nossa vida, com os nossos recursos e ter um monte de crianças... Agora vamos. Estamos aqui há horas e já passou da hora do neném aqui ir nanar... – disse ele com um sorriso, acariciando o rosto dela.
 

Mais tarde, depois do amor, na cama dele, antes que ele pegasse no sono ela perguntou:
– Mas como você pode não se importar com o meu passado? Pensei que eu ia te perder...
 

Ele riu:
– Qualquer dia desses, mocinha, eu te conto a minha história... Afinal, alguém já disse que só quem não tem pecado deve atirar a primeira pedra.
 

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