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Sampa: Ibirapuera, Guarapiranga e Avenida Paulista

Memória de Isabel Fomm de Vasconcellos

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Sessentão faz aniversário dia 21 de agosto:

Parque do Ibirapuera

  vídeo da época da inauguração do parque: Assista AQUI!

 

“Ibirá” quer dizer árvore e “Puera”, o que já foi. Parece profético: lugar onde havia árvore.

Mas há quem diga que o nome, em tupi-guarany, vem de Ypy-ra-ouêra, que significa árvore apodrecida.

 

 

José Pires do Rio era o prefeito de São Paulo que, no final da década de 1920, imaginou transformar uma área da cidade, onde outrora existiam chácaras e pastagens, num parque como o Bois de Boulogne, em Paris ou o Hyde Park, em Londres, ou ainda o Central Park de Nova Iorque.

 

A região abrigara pequenas propriedades cujas boiadas eram destinadas ao Matadouro Municipal, ali pertinho, e que é hoje a sede da Cinemateca. Também se criavam ali animais que serviam para puxar os carros de bombeiros e por isso o local foi chamado de Invernada dos Bombeiros. Mas em 1906 uma lei estadual transferiu a propriedade daquela área para o Município. Por isso, no final dos anos vinte, o prefeito imaginou criar ali um parque.

 

Naquele tempo, a região do Ibirapuera era um pouco afastada da cidade, que ainda não chegara até lá.

 

Na época da colonização havia lá uma aldeia indígena e o nome do lugar vem da língua tupi.

“Ibirá” quer dizer árvore e “Puera”, o que já foi. Parece profético: lugar onde havia árvore.

Mas há quem diga que o nome, em tupi-guarany, vem de Ypy-ra-ouêra, que significa árvore apodrecida.

 

A boa idéia de José Pires do Rio, no entanto, esbarrou na dificuldade que o próprio terreno apresentava: era por demais alagado.

Foi então que, em 1927, um sujeito apaixonado por plantas, chamado Manuel Lopes de Oliveira e conhecido como Manequinho Lopes, que era funcionário da prefeitura, resolveu dar um jeito no terreno. Plantou centenas de eucaliptos australianos para que estes drenassem o solo alagadiço. E, de quebra, plantou também espécies de plantas ornamentais que se destinariam a abastecer os jardins públicos da cidade.

 

Mas foi apenas em 1951 que o governador Lucas Nogueira Garcez e do prefeito Armando de Arruda Pereira criaram uma comissão de representantes da iniciativa privada e dos poderes públicos com o objetivo de criar o tal parque, sonhado três décadas antes por João Pires do Rio.

 

Liderados por Francisco Matarazzo Sobrinho, o Cicillo, os membros da comissão começaram a trabalhar. Em 1954 a cidade de São Paulo comemoraria os seus 400 anos de fundação e o governador imaginava que a inauguração do Parque do Ibirapuera seria um presente ao povo paulistano, na comemoração do IV Centenário.

 

Não foi exatamente isso que aconteceu. Em 25 de janeiro de 1954, data do aniversário de São Paulo, o Parque ainda não estava pronto.

 

Oscar Niemeyer criou o projeto arquitetônico do Ibirapuera e Burle Marx, o paisagístico. No entanto, o de Burle Marx não foi realizado, sendo substituído pelo do engenheiro agrônomo Otávio Augusto Teixeira Mendes.

( O Ibirapuera era apenas um belo matagal, com muitos eucaliptos, cortado por uma estradinha estreita que ligava a Avenida Brasil à Vila Mariana. Já havia um lago, onde a molecada ia nadar).

 

Finalmente, em 21 de agosto de 1954, o Parque foi inaugurado.

 

Na inauguração havia 640 estandes montados por treze estados brasileiros e por dezenove países. O Japão construiu uma réplica do Palácio Katura que está lá até hoje, é o chamado Pavilhão Japonês.

 

Não existem mais:

- o Parque Shangrilá,

- o Pavilhão do Rio Grande do Sul,

- o Museu de Cera, o salão de exposições (que foi transferido para o Anhembi nos anos 1970) e nem

- o restaurante que ficava dentro do lago principal e onde as pessoas podiam alugar barcos de passeio.(no nosso filme, ele aparece)

 

Também estão lá, desde o dia da inauguração: -

 o Palácio das Indústrias, onde se instalou a Bienal de São Paulo e onde funcionava o MAC, Museu de Arte Contemporânea. O Pavilhão se chama hoje Cicillo Matarazzo, em homenagem ao homem que trouxe a Bienal para São Paulo. Mas todo mundo, quando se refere a ele, diz: “o prédio da Bienal”;

- a Grande Marquise, onde funciona o Museu de Arte Moderna;

- o Palácio da Agricultura, construído para a Secretaría da Agricultura, mas que acabou virando sede do Detran e depois passou a abrigar o MAC;

o Palácio dos Estados que hoje se chama Armando de Arruda Pereira;

- o Palácio das Exposições, que se chama Pavilhão Lucas Nogueira Garcez, mas que todo mundo conhece como Oca, onde estão os Museus da Aeronáutica e do Folclore e ainda

- o Palácio da Nações ou Pavilhão Manoel de Nóbrega, onde funcionou, até 1992, a sede da Prefeitura e hoje é o Museu Afro Brasil;

 - e também o Ginásio de Esportes, o Velódromo e o conjunto de lagos.

 

Depois foram sendo construídos o Viveiro Manequinho Lopes, o Planetário e a Escola Municipal de Astrofísica.

Hoje, nos 1 milhão e 584 mil metros quadrados do parque, estão ciclovias, pistas de cooper, além de três lagos artificiais, interligados, que ocupam 157 mil metros quadrados e que oferecem o espetáculo das fontes ali colocadas na última gestão do prefeito Jânio Quadros.

Muita gente vai todas as manhãs ao Parque para uma corrida ou caminhada. E, nos fins de semana de verão, é à beira dos lagos que muitas paulistanas se bronzeiam.

 

O Parque do Ibirapuera é uma ilha verde em meio à poluição e ao cinza que domina a cidade de São Paulo. Apesar do crescimento desordenado e cruel da cidade, a natureza ainda brinda o Ibirapuera, todos os anos, com pássaros migratórios que fazem sua parada por lá.

 

(por Isabel Fomm de Vasconcellos)

 

Jô Miyagui Puxa, que vídeo surpreendente. Tinha churrascaria dentro do parque à beira do lago. Deveria ser bem agradável.

 

 

Centenária Represa do Guarapiranga

(Com Cerveja e Avenida Paulista)

 

A Iolanda, manicure das estrelas, morava pra lá de Santo Amaro, nos lados da represa do Guarapiranga. Ela levava, de ônibus, mais de duas horas para ir daqui de casa, na Avenida Paulista, até a sua casa. E olhe que o ônibus, pela Av. Santo Amaro, anda mais depressa que os carros porque vai pelo corredor exclusivo.

O trânsito é uma absoluta insensatez. Eu só voto em candidato que se comprometer a fazer novas linhas de metrô e a melhorar o transporte público. Hoje pouco uso meu carro. Passei a odiar automóveis. Procuro andar o máximo a pé ou de metrô. Carro é cafona. É ultrapassado. Egoísta. Poluidor.

Mas nem sempre foi assim.

Na verdade, o carro era o centro da vida de muita gente, há décadas passadas.

Particularmente, eu adorava meus carros. Ganhei um gordini quando fiz 18 anos (chii... faz tempo!!! rs...) e tive uma coleção de fuskas, de várias cores, modelos...

 

No comecinho dos anos 1980 eu trabalhava numa agência de publicidade que ficava ali em frente à cinemateca, no largo Raul Cardoso, quase no Ibirapuera. E frequentava um clube na represa do Guarapiranga, o Clube de Campo do Castelo, onde eu passara, inclusive, parte da minha infância. Bom, era um clube de campo, porque, quando ele foi criado, a região em torno da represa era “campo” e não cidade, como é hoje.

Então, na minha hora de almoço, eu pegava o meu fuska e ia até o clube. O marinheiro já sabia que, quando estava sol, nós iríamos esquiar naquela hora. Botava os barcos na água. Meu primo Eduardo Zocchi, eu e outros amigos, aparecíamos. Esquiávamos. Tomávamos banho. E voltávamos para as nossas atividades profissionais. Tudo isso no curto espaço das nossas duas horas de almoço.

Bom, pra fazer isso hoje, nós levaríamos duas horas para ir, duas para voltar e, é claro, seria impossível. Mas, naquele tempo, não havia trânsito e a gente ia em 15 minutos. Afinal, são apenas 10 km do Ibirapuera à represa. E é francamente ridículo levar duas horas para percorrer 10 km.

Quando eu ando a pé, em 1h20’ faço 5 km...

 

Meu pai, no entanto, levava duas horas para ir do centro da cidade, onde morava, à represa do Guarapiranga, na década de 1930. Mas isto porque as ruas não eram asfaltadas, não havia avenidas, e os velhos automóveis andavam devagar, quanto mais na lama...

Em 1937, meu pai esteve no Castelo, que ainda não era um clube mas sim a residência de um alemão, diretor da cervejaria Brahma. Ele havia construído uma réplica de um castelo europeu, no alto de uma colina que desabava às margens da represa. Meu pai e alguns amigos acamparam lá e filmaram. (veja o filme, estilo bem antigão, clicando aqui).

 

Vinte e dois anos depois, um grupo de diretores do Clube Piratininga (que na década de 1950 era o máximo!) resolveram fundar o Clube de Campo do Castelo. Meu pai adorou! Ele tinha gostado muito do lugar quando estivera lá no passado. Comprou logo um título e foi diretor de patrimônio do clube durante muitos anos. Eu me lembro dele inspecionado cada detalhe. Nem os trincos das portas escapavam de seu olho clínico.

 

Eu tinha apenas oito anos de idade quando comecei a freqüentar o Castelo.

Quando eu tinha dez, um dia vejo uma enorme caixa no escritório do meu pai. Tinha um desenho esquisito, de alguma máquina que eu nem podia imaginar o que fosse. Era um motor de popa que seria instalado num barco de madeira que o Flório construíra para nós. O Flório era o dono de um estaleiro que ficava ali ao lado da barragem da Guarapiranga. Meu pai construíra o barco em segredo. Era uma surpresa para nós. (Clique aqui para ver o filme da construção do nosso barco.)

 

Então todos nós, a família inteira, aprendemos a esquiar. (clique aqui para ver como esquiávamos)

 

A Represa do Guarapiranga começou a ser construída em 1906 e foi inaugurada há mais de cem anos, em 1908. Ela foi concebida para atender as necessidades de produção de energia elétrica na Usina de Parnaíba e foi construída pela companhia inglesa Light que, por décadas, foi a empresa responsável pelo fornecimento de eletricidade em São Paulo, até ser substituída pela Eletropaulo.

Vinte anos depois de inaugurada, em 1928 a represa passou a servir como reservatório de água potável.

Chama-se “do Guarapiranga” e não simplesmente Guarapiranga, porque este é o nome do rio principal que a abastece. É um termo indígena e significa Arara Vermelha.

 

A criação da represa, há um século, trouxe uma nova vitalidade para o povoado de Santo Amaro, criado em meados do século XVI no bairro da capela do Socorro por indígenas descendentes do cacique Caiubí.

A partir de 1827, Santo Amaro recebeu colonos imigrantes da Alemanha. Por isso, há meio século, era comum encontrar em Santo Amaro tipos caboclos com olhos azuis.

Nos anos 1920 a represa do Guarapiranga se tornou um recanto turístico. Belas casas foram construídas às suas margens, principalmente na baía da Riviera, que levou este nome em alusão à famosa Riviera francesa. Famílias de industriais paulistanos, então chamados de novos-ricos, ali passavam os seus fins de semana. Foram surgindo também clubes. Dos mais tradicionais, nasceram os grandes campeões brasileiros de Vela. E bairros foram sendo criados ao redor da represa: Veleiros, Rio Bonito, Interlagos, todos com nomes alusivos às coisas náuticas.

 

Uma legião de primos e eu nos divertimos muitíssimo na represa nos anos 1960. Mas, em 1971, meu pai ficou muito bravo com seus companheiros de diretoria do Castelo porque eles cismaram de construir uma casa de barcos exatamente no ponto onde a represa, em tempos de seca, ficava sem água.

Clique aqui para ver um vídeo, feito pelo João Sabóia (João Carioca), das esquiadas da nossa turma há 40 anos...)

O Velho Vasco ficou uma fera. Vendeu o barco e o título do clube.(clique aqui para ver o filme do Castelo como ele era em 1967, 30 anos depois da primeira visita do meu pai)

Mas oito anos depois comprou outro título para mim. Vinha eu de uma vida de boemia, de bar em bar na noite paulistana e estava querendo mudar tudo: fazer esporte, viver de dia e não mais à noite. Voltei a freqüentar o clube no final dos anos 70 e fiquei lá mais um cinco anos, até começar a trabalhar na TV, casar com um sujeito maravilhoso mas que tem medo de água... enfim...

 

Hoje Santo Amaro e adjacências têm a maior população nordestina de São Paulo, mas, na parte central do bairro e também em Interlagos, ainda residem muitas famílias descendentes dos primeiros imigrantes alemães.

A partir dos anos 1980 as margens da represa foram sendo densamente povoadas, em alguns casos em áreas preservadas, portanto com loteamentos ilegais. Os esgotos correm para a represa.

A poluição faz surgir algas sobre as águas da Guarapiranga.

E isso acontece há mais de 20 anos porque eu mesma me lembro de, numa manhã de sol, chegar ao clube e encontrar a água da represa completamente parada, coberta por uma camada de gelatina verde. Água parada é o sonho dourado dos esquiadores que, ao contrário dos velejadores, praguejam contra o vento que ondula a superfície. É uma delícia deslizar em águas paradas. Naquele dia, o leque d'água levantado por nossos esquis era também verde.

 

Fato é que a represa do Guarapiranga faz parte da minha vida e é um pedaço importante dela.

 

Agora, nessa história toda tem um detalhe engraçado. São as coincidências da vida.

Nos anos 1920 a família Von Bullow, fundadora da cervejaria Antártica construiu sua casa de campo na margem esquerda da represa. Do outro lado, Robert Kutschat, diretor da Brahma, construiu o Castelo, que virou o clube em 01 de agosto de 1959. Robert morrera em 1948, sem nunca deixar de morar no Castelo e a propriedade então mudou de dono, comprada por Luis Romero Sanson, o criador do bairro de Interlagos. Ele alugou o Castelo para uma missionária escocesa que instalou ali um colégio interno feminino, o Saint Georg. Durou uns poucos anos porque Sanson, endividado, entregou a propriedade ao banco AE Carvalho que acabou, com o pessoal do clube Piratininga, criando ali o clube.

 No começo dos anos 1950 a Cia. Cinematográfica Vera Cruz fez um filme de mistério no Castelo. Era estrelado por Eliane Lage, Procópio Ferreira e Mário Sérgio.

Alguns anos depois, quando o Castelo já era clube, meu pai, meu irmão Alvan, meu primo Sergio Marques e o então desconhecido Jô Soares, cogitaram de criar lá uma série de TV: o Castelo seria (como já tinha sido de fato) um colégio de moças e ambientaria a série. Para estrela, escolheram a Regina Duarte, uma mocinha iniciante na carreira de atriz. Muito engraçado. Pena que nunca se concretizou.

 

Pois bem, a Antártica e a Brahma foram, por décadas, as duas maiores cervejarias brasileiras. Uniram-se nos anos 1990 para formar a AmBev.

Mas lutaram sempre entre si pelo domínio do mercado.

Quando eu deixei o clube Castelo e me afastei das lembranças de Kutschat e da Brahma, que ali viviam, foi exatamente no ano – 1985 – em que viemos morar no edifício Paulicéia, na Avenida Paulista, onde estamos até hoje.

Só alguns anos depois, em 1991, quando pesquisei a história da avenida para fazer o filme comemorativo dos 100 anos de fundação dela, é que descobri que o prédio onde moro fora erguido no terreno onde originalmente estava a casa da família Von Bullow, dona da Antártica.

Passei quase toda a minha vida, portanto, em lugares onde habita a memória das duas ilustres famílias cervejeiras do Brasil. E casei com um sujeito que foi, por anos, diretor da associação de revendedores Brahma, depois, Ambev. (Não é a toa que, quando se trata de cerveja, sou muito boa de copo...).

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

A Represa do Guarapiranga começou a ser construída em 1906 e foi inaugurada há mais de cem anos, em 1908.

Vinte anos depois de inaugurada, em 1928 a represa passou a servir como reservatório de água potável.

Chama-se “do Guarapiranga” e não simplesmente Guarapiranga, porque este é o nome do rio principal que a abastece. É um termo indígena e significa Arara Vermelha.

 

 

 

 

A Mais Paulista das Avenidas

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Abaixo, a primeira casa, que acabou dando lugar ao Edificio Pauliceia, onde moro.

 

 

 

"Quase ninguém para pra pensar nisso, mas a Avenida Paulista não surgiu como simples consequência da expansão da cidade. Ela foi um empreendimento muito bem planejado, calculado e executado."

O Nascimento da Avenida Símbolo de São Paulo

 

Inaugurada em 8 de dezembro de 1891, foi concebida pelo engenheiro Joaquim Eugênio de Lima para ser um boulevard, como os de Paris, que abrigasse a fina flor da elite paulistana.

Já nasceu sob o signo  do dinheiro e, embora tenha mudado completamente sua face em mais de um século de existência, continua sendo o maior PIB por metro quadrado do país, já que as milionárias residências foram substituídas por milionários prédios de grandes bancos e corporações.

 

O engraçado é que Joaquim Eugênio de Lima queria unir a Consolação ao Paraíso e tinha um pequeno problema no meio do caminho: o vale onde hoje está a Av. 9 de julho. Hoje talvez, para conseguir uma reta entre os dois bairros, ele construísse um viaduto. Mas, na última década do século XIX, a melhor solução era aterrar. Assim, ele “tapou” a depressão que havia no meio do caminho e acabou obrigando o prefeito Prestes Maia, quase meio século depois, a abrir um túnel debaixo do aterro para construir a Avenida 9 de Julho.

O MASP e o Parque do Trianon repousam sobre o aterro do Joaquim.

 

O criador da Avenida Paulista, além de grande empreendedor, era também barão. Nascera no Uruguai mas se naturalizara brasileiro e escolheu investir em São Paulo parte da sua fortuna, porque acreditava que essa seria a cidade do futuro e por isso criou outros empreendimentos além da Paulista.

Antes de Joaquim Eugênio de Lima, a região era chamada de alto do Caaguaçu e abrigava algumas chácaras. O nosso empreendedor comprou todas, aterrou o vale e construiu a avenida, tendo o cuidado de reservar uma área para criar um parque onde se preservaria toda a vegetação nativa. E assim nasceu o hoje Parque Siqueira Campos, que todo mundo chama de Trianon. O projeto paisagístico foi de Paul Villon.

Imagine, Eugênio de Lima era tão moderno que já pensava em preservação da natureza em 1890!

 

A Avenida Paulista foi oficialmente inaugurada no dia 8 de dezembro de 1891.

Uma lei municipal proibiu o trânsito das boiadas, que iam para o matadouro da Vila Clementino (onde hoje funciona a Cinemateca, ali no largo Raul Cardoso) e regulamentou os loteamentos.

Logo os ricos paulistanos começaram a construir enormes mansões de gosto duvidoso (que a arquitetura chamou de “ecléticas”, numa tentativa de disfarçar a salada de estilos) e a larga avenida, calçada de pedras brancas, foi se enfeitando.

 

De Abrigo das Elites Paulistanas à Passarela do Povo

 

A primeira casa construída na avenida pertencia a Von Bullow, dono da cervejaria Antartica. Projetada pelo arquiteto Augusto Fried, ficava no terreno onde hoje está o edifício Paulicéia, um dos poucos prédios residenciais que restam na Paulista e que é, curiosamente, o edificio mais filmado do país, uma vez que todas as televisões, há décadas, vêm fazer enquetes de rua bem em frente ao Paulicéia. Meu marido e eu moramos neste edifício desde 1985 e gostamos muito. Ao lado dele está o prédio da Fundação Casper Líbero, que abriga as rádio e TV Gazeta, o cursinho Objetivo e ostenta em seu topo a famosa antena da Rede Globo de TV.

 

Em 1896 foi construída a residência do Conde Alexandre Siciliano, projetada pelo arquiteto Ramos de Azevedo, que mais tarde seria responsável pela construção da Casa das Rosas, uma das poucas que está de pé até hoje e virou centro cultural. É deste ano também a casa do Conde Francisco Matarazzo, projetada pelos italianos Giulio Saltini e Luigi Mancini. Quase cem anos depois da construção, Luiza Erundina, então prefeita de São Paulo, queria fazer com que a casa dos Matarazzo fosse tombada para virar o Museu do Trabalhador .

Como monumento arquitetônico a casa realmente não tinha lá grande valor e isto me soava mais ou menos como uma vingança socialista. A casa do grande patrão do começo do seculo XX seria tomada pelos trabalhadores. Por algum tempo, a polícia foi colocada para dentro dos muros da mansão e eu, que tinha escritório no prédio em frente, das janelas podia ver os policiais se divertindo, brincando de dar cavalos-de-pau com as velhas viaturas no enorme gramado em frente à casa. Não me lembro muito bem o que aconteceu, mas, alguns meses depois, fomos acordados pelo estrondo de uma explosão: uma bomba fora colocada na casa e destruíra completamente a mansão.  Isto foi no final dos anos 1980 e, por tres décadas o terreno da casa continuou sendo apenas um estacionamento, numa avenida cujo metro quadrado vale mais de 10 mil dólares. Agora, onde estava a casa foi erguido um Shopping Center.

 

Nos anos 1950 as mansões da Paulista começaram a ser derrubadas para dar lugar aos imponentes edifícios, comerciais e residenciais.

Trinta anos depois, quase nada restava das originais mansões. E começou a onda de tombamentos. Quer dizer: as famílias que ainda não tinham vendido os terrenos de suas casas para a construção de edifícios estavam correndo o sério risco de ver parte de sua herança ir pelo ralo. Ou seja, em vez de 10 mil dólares o metro quadrado, o terreno e a casa tombada passariam a valer quase nada. Seguindo o exemplo da casa dos Matarazzo, a velha casa que ocupava o terreno onde hoje está o moderníssimo prédio do City Bank, também foi pelos ares. Cheguei ao escritório numa manhã e a secretária me disse: - Dona Isabel, já viu a casa?

Casa? Que casa?

Pela janela eu vi então que a velha casa, onde uma senhora de cabelos brancos ainda pendurava lençóis nos varais do quintal, tinha sido cortada verticalmente pela metade e se podia ver os cômodos dos dois andares por dentro...

 

Curiosamente, hoje existem ainda alguns mistérios na Paulista. Talvez sejam imóveis que estejam sob demandas judiciais.

No número 1919 está uma casa construída em 1905 por Joaquim Franco de Melo. A casa está em ruínas.

 

Memória preservada apenas na Casa das Rosas (que foi construída em 1935), tombada em 1986 e mais tarde transformada em Centro Cultural; uma mansão também tombada onde funciona, curiosamente, uma lanchonete do Mac Donald; o colégio Rodrigues Alves, de 1919; o Instituto Pasteur e parte do prédio do Hospital Santa Catarina, construído em 1909.

 

A mania de sediar as grandes comemorações populares na avenida é mais recente do que se pensa. E tudo acontece ou em frente ao MASP ou debaixo das nossas janelas, aqui em frente ao prédio da Gazeta e ao Paulicéia.

 

O primeiro grande evento da avenida aconteceu em 1924, na primeira corrida de São Silvestre.

Mas, nas décadas de 1910 e 1920, a avenida já fora palco de outro tipo de corrida: a dos velhos automóveis e, nos carnavais, era cenário dos velhos corsos, desfiles de carros abertos onde as famílias se divertiam com serpentinas, confetes, lança perfumes e fantasias.

 

Daqui da minha janela, já pude apreciar muitas e muitas comemorações, passeatas e eventos. Luiza Erunidna, quando eleita prefeita de S.Paulo, fez a festa aqui em frente. O mesmo aconteceu quando Lula foi eleito presidente. Vi desfilarem aqui os estudantes do Fora Collor. Vi inúmeras comemorações de times vencedores de campeonatos de futebol. Enormes passeatas de protesto e desfiles de multidões de evangélicos. 

 

Há também as manifestações mais modestas, que ocupam apenas uma faixa do leito da avenida e há as grandes festas oficiais como a do reveillon e a tradicional Passeata LGBT do Orgulho Gay, quando a avenida vira um enorme espaço de lazer. Também vi (e participei) as comemorações do centenário da avenida, em 1991.

 

Mas esse negócio de todo mundo vir dar os seus gritos de protesto ou de comemoração aqui na avenida começou mesmo em 1977 quando o Corinthians finalmente venceu o campeonato de futebol, coisa que não acontecia havia 20 anos.

 

Muitos prefeitos paulistanos estiveram querendo acabar com essa tradição de comemorações e protestos na Paulista. Acho lamentável. Tem muita gente que fala contra isso, que diz que o trânsito é prejudicado, que é um absurdo porque a Paulista é o corredor também das ambulâncias, já que muitos hospitais importantes estão nas imediações. Penso que o argumento seja frágil. Ambulâncias sempre abrem caminho e o trânsito é completamente infernal na cidade inteira, com ou sem passeatas.

 

Os estatísticos calculam que 1 milhão e 200 mil pessoas circulam diariamente pela avenida. Além de bancos e escritórios e algumas residências, a Paulista tem restaurantes, galerias comerciais, cinemas, teatros, museus, centros culturais, escolas e até um hospital. É uma verdadeira amostra do mundo.

 

Joaquim Eugênio de Lima morreu em 1902, muito provavelmente sem calcular a beleza e o motivo de orgulho que seria a avenida que idealizou e construiu e que hoje, muito apropriadamente, é o símbolo da cidade de São Paulo. Por isso eu resolvi transforma-lo em Fantasma e o fiz voar de década em década, de 1891 a 2050, no meu livro mais queridinho: "O Fantasma da Paulista"      (por Isabel Fomm de Vasconcellos)

Veja vídeos exclusivos sobre a Paulista:

 

1991, vídeo dos 100 anos da Avenida

 

2004, Paulista, Amostra do Mundo

 

2008, Natal na Paulista - 2008

 

2012, Natal na Paulista 2 - 2012

 

2013, A Luz na Paulista

 

2013, 06, 20 A Grande Manifestação

2014 - Natal na Paulista na Rua 

 

2015 - março 15 Um Povo na Rua

 

 

 

 

 

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Sent: Saturday, February 23

  Subject: Comentário em sua página sobre Giulio Saltini

 

  Prezada Isabel,

 

  Gostaria primeiramente de te dar meus parabéns pela sua página que resgata uma grande história desta cidade.

  Apesar de não mais residir neste estado sempre é bom recordar.

  Apenas não posso concordar com seu comentário sobre o trabalho do meu bisavô Giulio Saltini conforme segue:

  " Como monumento arquitetônico a casa realmente não tinha lá grande valor" .( demonstra um certo desprezo pela obra)

  Respeito! Porem quero salientar que meu bisavô além de ser um excelente Arquiteto aqui no Brasil deixou inúmeras obras na Itália segue abaixo um pequeno trecho do site www.webartigos.com:

  " Entre dezenas  é um dos principais nomes que marcam a fase tradicional da Arquitetura italiana no Brasil"

  Outras obras : Hospital Humberto I ( se não me falha a memória hoje tem o nome de Hospital Matarazzo); Porto de Santos.

  Gostaria de saber se você tem uma foto da mansão para que eu possa mostrar para minha filha que é Arquiteta pois naquela época minha avó após a morte de meu avô que também era Arquiteto se desfez de vários documentos.

  Na Google você poderá encontrar mais comentário como por exemplo no site da ECCO.

  Agradeço sua  atenção.

 Cordialmente,

 

  Ricardo Saltini

 
 

 

 

 

 

 

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