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Gera-Ações

(Salvador Dali, 1948, A Aurora)

"A ave sai do Ovo.

O Ovo é o Mundo.

Quem quiser nascer

Tem que destruir

um mundo."

Herman Hesse, em "Demian"

 

 

(Vinícius Krausz, 2012, Transbordações)

 

Procurei encontrar, no mundo, uma outra forma de enxergar este "Ele é cego" .

 

 

 

 

por Vera Krausz


Perceber os limites, não é deficiência.
É aprendizado de respeito a si mesmo !

Muitos tem sido os aprendizados por ser mãe de uma pessoa com baixa visão.
Desde os primeiros meses de vida, venho aprendendo com meu filho, a como enxergar a vida e o mundo com menos recursos objetivos.
 

Certamente este aprendizado de ordem experiencial, é único, visto que somente vivendo é que temos a possibilidade de perceber e ver o mundo sob outras óticas.
 

Ele era um bebezinho que buscava formar suas primeiras imagens e seus olhinhos giravam para um lado e para o outro, buscando ver o mundo ... (nistagmo).
 

Chorei em seu primeiro Natal, pensava que ele não enxergaria nada. "Ele é cego". Foi o primeiro diagnóstico médico oftalmológico.


Procurei encontrar, no mundo, uma outra forma de enxergar este "Ele é cego" .

 

Pensei que talvez pudesse haver outra forma. E meses depois ouvi: "Ele vai enxergar, precisa de estímulo" . Um especialista em retina de bebês da Santa Casa de São Paulo, Dr Teruo, ampliava-me a visão.
 

Começo a aprender que enxergar é uma posição mental, em que buscamos ir além. Conhecer além. Ver além...!
 

Foram anos de aprendizado, Laramara se fez presente...
 

Desafios para a enfermeira que tinha seu filho no colo em salas de espera, e relembrava seu aprendizado de pediatria. Para a psicóloga que refletia sobre o seu desenvolvimento infantil global e passava a estudar sobre a importância dos "estímulos", para a mãe que sentia seu bebê ávido de seu leite, e que segurava-lhe as mãozinhas com medo do escuro, ou de cair...


Aprendizado pedagógico especial desde a educação infantil... Onde os desafios surgiam diariamente!
O limite de permitir-lhe levantar-se de sua carteira para ver e ler o quadro, ou não se levantar para conversar com o coleguinha
 

Sutis desafios educacionais.
 

O limite de poder abaixar ao máximo e aproximar seus olhinhos interessados a 5 ou 10 centímetros de distância das linhas do caderno ou do livro e poder enxergar, ou não invadir com seus bracinhos a carteira do amiguinho, não incomodar ou atrapalhar o outro!
 

Mais desafios educacionais...
Permitir subir no escorregador e se soltar, e escorregar gostoso, mesmo consciente dos riscos de cada degrau.
 

Foi uma opção. Uma posição de vida.
 

Permitir o mundo ao meu filho, ou restringi-lo e

dizer-lhe: isto não é para você!
 

E um mundo com avanços tecnológicos, mas também riscos atualmente, muito maiores do que em outros tempos ...
 

Esteja certo, Vinicius, que eu jamais te diria para não participar de um ensaio fotográfico na beira da piscina, porque teu olhinho fugia ao padrão da "estética do belo", ou porque era gordinho. Chamo a isso de "baixa visão humana"
 

Mas você cresceu e se destacou em seu esforço e dedicação, em sua superação de desafios...
 

Andou, falou, foi alfabetizado em todos os tempos ditos"normais". Mas ainda mais, sempre com as melhores notas e os mais estimulantes elogios, de professores e colegas.
 

Dizia quando questionado sobre o que vai ser quando crescer: "professor de todas as coisas" !
 

Afetivo, religioso aprendeu a rezar o terço com a avó Jeannette e a acompanhava por anos em seus grupos de oração. Mas também foi evangelizado na Seara Bendita e logo teve ampliado e universalizado, seus conceitos espiritualistas. Sua maior referência: Francisco de Assis.
 

Seus talentos vão se apresentando e o menino que adorava, brincar de Lego e desenhar. Desenhava aos 6 anos de idade, os 150 Pokémon em suas diferentes transformações!
 

Foi encontrando no desenho e nas artes a forma de mostrar ao mundo, que você enxerga. E sua peculiar forma de ver o mundo se ampliou.
 

Venceu 3 concursos de Desenho para adolescentes, pelo Rio de Janeiro e começou a cantar e a encantar ...
 

Belo carioca se delineava em novas formas e ritmos...
 

Segue assertivo o seu rumo em direção a Universidade!
 

Toma sozinho desde os 12 anos de idade, o ônibus para o mundo e para a vida. E me comunica: Já fui, já estou... Começa a me ensinar paulatinamente, novos rumos, novos percursos e trajetórias. Passa a sinalizar: - Mãe, você precisa ler Deleuze !
E sem o concurso das cotas, se supera mais uma vez e é aprovado na UFRJ em Desenho Industrial .
 

Que trajetória linda ... aplausos maternos aqui !
 

O paradoxo de quem tem "baixa visão" e desenha, escreve poesias, músicas e cria formas com precisão Áurea, e se liberta da escravidão dos paradigmas conceituais institucionalizados...
Antropologia, Sociologia, Psicologia e Psicanalise, Economia e Política. Uma visão ampla ... te levam a ti mesmo.
 

A política dos conflitos, dos limites entre o somático e o psíquico.

 

A economia da dinâmica existencial em seus paradoxos.
 

Como é bom neste ano em que a vovó Jeannette fez 95 anos, e eu estou fazendo 60 anos de idade, destes, a vinte e cinco anos anos sendo sua mãe, Ser a tua mãe!
 

Talvez não devesse falar, mas não poderia me calar, diante de teus recentes relatos sobre as inúmeras vezes, que em movimento de superação, você recalcou, reprimiu, tuas vivências de discriminação, de incompreensão, de negligência, de abusos, de ignorância, de falta de reflexão, de inveja, de bullying vivido em experiências diversas no seio da "família", algumas vezes na escola ! És jovem ! Estás completando 25 anos ! Mas com uma bagagem de grande amadurecimento, que te faz buscar no mundo, não a perversão, a sacanagem e a corrupção deste mundo. Mas a superação de idéias velhas e sufocantes, de alienantes conceitos e principalmente a busca de uma ética, que viabilize relações humanas, mais humanas.


Você meu filho querido e amado se calou muitas vezes, não contou nem mesmo para mim, tantas dores e absurdos já vividos. Não contou para não me ver sofrer e para tentar sofrer menos e seguir em frente...solidário!

Você se calou. Se calou demais...

E hoje neste Dia das Mães, eu não me calo. Silenciei em alguns momentos em diálogo profundo e interno, para compreender melhor.


Para enxergar melhor o que meu coração dizia.
 

E digo que você não é um "chato", muito menos que "não tem simancol". Ou falta-lhe educação ou limites.
 

Você é uma benção e uma luz em espectro especial!
 

Somente irá te enxergar, quem te olhar bem de pertinho... quem tiver a capacidade de te ver com olhos do coração, e não se incomodar com teus bracinhos tocando seus corpos ou mexendo em lugares pré-estabelecidos.
 

Você incomoda ...

 
Contudo, tua chegada ao mundo, como Luz em meu ventre, já foi uma benção,  fazer o meu corpo se transformar em corpo materno, uma imensa alegria e prazer, você ser neto de Otto Krausz, uma honra, você ter albinismo ocular um aprendizado e desafio que trás marcas ancestrais de um povo judeu, que busca um mundo melhor ! Mais justo, menos discriminatório, perverso e cruel. Sou do povo escolhido !


A vida me fez descobrir que "família" são todos aqueles que nos amam como nós somos e que nos desejam a felicidade!
Raros meu filho este grupo...


Seleto grupo que me fez e faz distanciar-me da maioria...
 

"Família" grupo de pessoas que nos ajuda nos momentos em que precisamos e que nos acolhem e se fazem presentes nos momentos difíceis.

 

Família nada tem a ver com mera consanguinidade. Mas com identidade de alma.
 

Foi no mundo meu filho que encontrei minha família. Tive que me levantar da cadeira para enxergar o quadro e ler os textos ocultos... Ultrapassei limites e encontrei pessoas que não me repreenderam por querer ver além, que não se incomodaram ...
E por isso te criei para o mundo.

"Chato" é o que incomoda a "maioria".

Tu te tornaste um líder estudantil, representas muitas vozes caladas...
 

Tu és um artista, desenhista com baixa visão !
 

Grande é tua visão! Paradoxal teu lugar !
 

Pequena visão, destes que te excluíram do convívio "familiar" e da busca por espaço de escuta, por desejo de ser reconhecido, sem terem sequer visto a tua essência.
 

É chato mesmo ter que dizer certas coisas para adultos. Mas sou professora de jovens e adultos de baixa renda há 25 anos e aprendi que a maioria não aprendeu lições básicas.
 

Sou Psicóloga e portanto historiadora da vida ! Aprendiz...
 

Mas sempre preferi os mais pobres à petulância dos ricos ou ao egocentrismo dos doutos da Lei e da Ciência. Na maioria das vezes escondem aspectos humanos de baixa escuta e visão.

Meu desejo neste dia das mães?
 

Agradecer a minha mãe Jeannette que me ensinou que até para nascer precisamos desejar a vida.
Agradecer-lhe por sua humildade e generosidade. Por ter colocado à mesa o almoço todos os dias, e me ensinado que quando temos fome, até sopa de pedra é gostosa. Agradecer minha mãe por brigar para que pudéssemos aprender outros idiomas. E eu aprendi: a "psicanálise"...


Agradecer pelo frango assado em sua mesa, todos os Domingos, principalmente quando eu não tinha dinheiro para pagar o "ingresso familiar do churrasco na piscina de casa".


Por ter me socorrido e estar presente sempre.


Mesmo agora na distância simbólica de sua ausência.
 

Agradecer pelo cuidado e dedicação que teve diariamente com o "Vinicinho", com cada fralda que trocou, com as bolachas maizena, com o Jornal Nacional perdido... ou nem sempre perdido ! Por ser de fato referência do que entendo por conceito de família!
 

Agradecer meu filho, a todas as Berçaristas e Auxiliares de Creche da Escola Meu Primeiro Amor, que estiveram presentes amorosamente com você e participaram da construção de teu alicerce. E colaboraram para que hoje você seja este grande homem ! Quero finalmente desejar de coração à todas as mulheres e mães que tem ou que não tem filhos, que possam ser um dia, mães de filhos especiais ... !
 

Um desafio estimulante da visão!
 

Certa de que esta experiência amplia e viabiliza uma percepção muito mais humana, sensível e ampla do mundo e da vida !
 

Finalizo com meu silencioso e profundo agradecimento aos queridos primos Isabel Fomm de Vasconcellos e Luiz Fernando Walther de Almeida.
 

Que Maria Santíssima abençoe todas as mulheres mães, que ultrapassando seus limites, doam incondicionalmente seus filhos ao mundo.

Vera Krausz
Maio/2018