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Lesa, Míope, Surda ou Romântica?

por Dra. Stela Maris Grespan

(Norman Rockwell, O Problema com que Todos Convivemos)

 

 

Debate - participe

 

 

Isabel Fomm de Vasconcellos Nos anos 1970, no famoso Bar Rivera, convivíamos sem preconceitos, todas as raças e cores e tendências e pensamentos, Havia diálogo e tolerância. Ali estavam de Henrique Meirelles aos irmãos Caruso, passando pela Rê Bordosa (que me mato mas não digo quem é... rsrsrs) etc. etc. etc... Tínhamos uma brincadeira: "Você é nativo ou estrangeiro?" porque "estrangeiros" chegavam à Paulicéia todos os dias e eram bem-vindos. Talvez quando a Paulicéia tenha virado Sampa, tenha também andado para trás.

 

Stela Maris Grespan Os anos 70 foram os anos mais gloriosos desta cidade sob inúmeros aspectos, talvez na onda dos movimentos de 68 que varreram o mundo e arejou o pensamento. Talvez pela vivacidade do debate, da música da bossa nova ao tropicalismo, do rock, dos movimentos culturais até certo ponto permitidos pela ditadura. A baixa Augusta era um fervor, não esqueçamos também do Pirandello e de outros. Mas eram redutos de uma certa "casta" (muito pesado?), casta esta que se identificava como tal e se permitia transgredir, pois a transgressão era cultuada, naqueles anos loucos. Fossemos aos bairros proletários, periféricos para ver a perversidade da desigualdade, do racismo e da intolerância.

 

Isabel

Não sei se concordo. Eu estudei em escola pública, onde havia estudantes de todas as classes, era um ensino tão bom que facilitava muito a entrada numa USP da vida e, por isso, quem tinha dinheiro tb estudava lá. Tive colegas muito pobres, mas todos eram progressistas. Acho que era a época que o mundo vivia mesmo, nisso concordo contigo. O Gaiarsa me disse uma vez que o mundo viu duas décadas de ouro para o pensamento libertário: os anos 1920 e os anos 1960.

 

Rosane Giacomelli https://static.xx.fbcdn.net/images/emoji.php/v9/f91/1/16/1f625.png😥https://static.xx.fbcdn.net/images/emoji.php/v9/f91/1/16/1f625.png😥https://static.xx.fbcdn.net/images/emoji.php/v9/f91/1/16/1f625.png😥 às vezes, sinto que andamos para traz... primitivos https://static.xx.fbcdn.net/images/emoji.php/v9/f91/1/16/1f625.png😥

 

Raquel Durães Exato!

 

Tomiko Yamaguchi Sim Stela Maris tem muito a caminhar ainda mas a Europa que está expulsando os refugiados principalmente os negros viu que nessa copa em todos os times havia jogadores de todas origens. Pelo menos a copa serviu para que o mundo tenha consciência do mundo real que é composto de negros, brancos, orientais e mulçumanos.

 

Stela Maris Grespan Sem dúvida, Tomiko. Afora os árabes e asiáticos, os negros que não das repúblicas africanas eram todos de ex-colônias na África. Nosso mundo é colorido, felizmente!

Regina Scaf Silveira Bela redação amiga.
Parabéns pelo texto !
Bj https://static.xx.fbcdn.net/images/emoji.php/v9/f75/1/16/1f618.png😘

 

Stela Maris Grespan Obrigada, Regina. Bjs

 

Annac Castilho Stela parabéns vc foi muito feliz com seu texto

 

Teresa Cristina Silva Néto Parabéns pelo belo , triste e real texto !!! Uma avaliação perfeita , Stela Maris Grespan. Franceses -africanos levaram a taça !! Beijos

 

Iraildes Ferreira Nascimentto Dra que texto fantástico, você sempre nós nos presenteia com essas pérolas!

 

Vera Lucia Silva Jacino Verdade dra. Texto fantástico!

 

Regina Milone Falta muito de fato, amiga... Também demorei a perceber o tamanho e a gravidade do racismo no Brasil. O machismo vi mais cedo. A LGBTfobia é gravíssima também. Nossa sociedade é muito preconceituosa! Mas a esquerda de antigamente - e grande parte da de hoje - considerava essas questões menores. Muitos militantes daquela época já escreveram sobre isso. Agiam e pensavam como se no dia em que se resolvesse a questão da desigualdade social, todo o resto se resolveria magicamente. E não é assim. De jeito nenhum. Sem mudança de mentalidade, nada muda de fato. Por isso, para mim, a luta pelos direitos humanos, das minorias e contra os preconceitos de todos os tipos são tão importantes quanto a questão social, sem sombra de dúvida.

 

 

 

Stela Maris Obrigada, Regina. Você sempre está disposta a contribuir para o debate.
Volto ao passado recente. A frente formada para derrubar a ditadura era um amplo leque de diversas orientações políticas e, portanto, heterogêneas. Na pauta deste movimento, especialmente dos setores mais à esquerda, se encontravam logicamente todas as questões sociais que mencionaste, pois são inseparáveis. A desigualdade social foi seminal para o desenvolvimento de ideologias contrárias ao capitalismo. Com a consolidação tênue do regime democrático foram se articulando e organizando inúmeros movimentos sociais com lutas mais específicas como resposta às novas e incessantes demandas da sociedade. A existência de alguns movimentos como LBGT, negros, mulheres e outros implica que seus participantes tenham em comum alguma forma de identificação com a causa, porém quanto a outras, haverá sempre contradições internas e não necessariamente progressistas no sentido mais amplo. Infelizmente o preconceito não é apanágio da sociedade brasileira nem de seus setores mais retrógrados, agora personificados na figura do Bolsonaro. Bjs

 

Angela Barros Barros Perfeita!

 

Rosana Viotto Triste relato Stela, mas verdadeiro ainda existe muito preconceito nesse Brasil, e as pessoas cada vez mais rancorosas... Quem sabe um dia acabe isso.

 

 

Naquela mesa jogamos como os croatas o fizeram nessa recente Copa do Mundo: até o fim, sem ter medo daquela bola fantasmagórica, buscando uma verdade, ainda que tênue.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Quanto mais caminho mais percebo quão longa é a estrada e o quanto resta por fazer.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Acho que já fui muuuuito lesa ou míope ou surda, ou romântica, ou todas acima e outras mais.
 

Deve ter sido lá pelos idos de 1980 ou 81.

 

O fato é que durante o tempo que trabalhei no antigo INAMPS, fiz, entre alguns, três grandes amigos: Um cardiologista, uma psiquiatra e uma enfermeira.

 

Sempre que recebíamos nosso magro salário da época (antes de nossa histórica greve geral em pleno governo Figueiredo, quando conseguimos um pouco mais de dignidade salarial) saíamos para almoçar.

 

Sabíamos que o dinheiro acabaria rápido e nos presenteávamos com um bom almoço. Escolhíamos sempre um bom lugar, discreto, onde pudéssemos relaxar e papear sem pressa. Encontro marcado, quem chegasse primeiro reservava a mesa.
 

Naquele dia, a enfermeira a guardou para nós. Um bom restaurante num hotel central de 4 estrelas.
 

Mal chegamos e ela nos disse:

  Que bom que chegaram.

 

- Ué, porquê?

 

- Acho que eles não estavam satisfeitos comigo aqui sentada.
 

Sentamo-nos famintos, preocupados em escolher e comer, naquele breve tempo roubado aos compromissos, tratando de fazer logo os pedidos. Enquanto comíamos, voltei ao assunto.

 

- Regina, porque não estariam satisfeitos? Nem demoramos.
 

- Acontece que sou negra, esqueceram?

 

Silêncio.

 

Depois, balbuciávamos: não pode ser, é imaginação sua.

 

Mas o apito havia soado e jogamos a partida dura de travar, com nossos sentimentos de exclusão e preconceito.

 

Todos éramos migrantes em Sampa.

 

Por razões distintas, não importa. São Paulo era a grande Meca para todos: estudo, trabalho, melhor qualidade de vida.

 

Porém os paulistas sempre nos viram como estranhos no ninho, especialmente os nordestinos.

 

Naquela mesa jogamos como os croatas o fizeram nessa recente Copa do Mundo: até o fim, sem ter medo daquela bola fantasmagórica, buscando uma verdade, ainda que tênue.

 

No apito final, os três me apontaram como a triste vencedora daquela partida. Entre os quatro, eu seria a única aceita sem hesitação, em qualquer sociedade. Branca, gaúcha, de origem europeia, heterossexual e médica.

 

No grupo, uma era nordestina, outra negra e o colega, gay, num Brasil ainda mais homofóbico do que hoje.
 

Na militância desde jovem, numa frente ampla contra a ditadura, jamais me dera conta de que o mundo real era muito mais complexo que o retorno ao regime democrático no país.
 

Hoje, vimos a velha bandeira francesa, de outros tempos, empunhada com fervor nos campos de futebol russo, no de Marte e até no Brasil : " liberté, égalité, fraternité". O clamor geral, até por quem está em campo oposto!

 

Nunca empunhei a taça oferecida pelos amigos.

 

Quanto mais caminho mais percebo quão longa é a estrada e o quanto resta por fazer.