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Preconceito e

Saúde Mental Feminina
por Isabel Fomm de Vasconcellos Caetano

 


Na semana em que se comemorou o Dia dos Namorados e o Dia de Santo Antônio, chamado “o casamenteiro”, o PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) soltou uma pesquisa que diz: 84.5% da população mundial têm algum tipo de preconceito contra a mulher.

No Brasil, segundo a pesquisa – que abrange cerca de 80 países – quase 39.1% acreditam que as mulheres não são tão boas, na política ou na profissão, quanto os homens; e apenas 15.5% dos homens brasileiros se dizem livres dos preconceitos de gênero.

Na prática, no cotidiano, não é nada difícil perceber (e sentir na pele, quando se é mulher) que, a priori, mulheres são consideradas menos racionais e menos competentes que os homens. Nem vou me alongar em exemplos...

Mas o que mais me estarreceu nas constatações da PNUD é o fato de que muita gente (independemente de gênero) considera normal que se pratique violência doméstica de homens contra mulheres... Por trás disso está a malfadada crença do “corretivo”, da educação pela violência, que, infelizmente, ainda se pratica contra as crianças, contra os segmentos menos privilegiados da sociedade e contra os animais.

Uma pessoa que cresça em um ambiente francamente violento e machista por certo não sairá impune desse, sob o ponto de vista da saúde mental.

A constante desvalorização, o sentimento de menos valia, de menor competência, geram não apenas insegurança como também a incapacidade de tomar, nas próprias mãos, integralmente, as rédeas de sua vida, enfim, de dirigir o próprio destino. Por isso, é voz corrente, em nosso meio, que uma mulher sozinha (sem um marido, companheiro ou companheira) é uma mulher incompleta. Ou pior: frustrada!

Isso, porém, é apenas mais um preconceito. Mas muitas mulheres , de fato, sentem-se assim, incompletas, se ficam solteiras, viúvas ou divorciadas. Como se não fossem capazes de nenhum sentimento de realização na falta de um parceiro.

E muitos homens, certamente a maioria deles, diante de uma mulher “desparelhada”, acreditam que tudo o que essa quer é agarrar o primeiro macho que se disponha a viver com ela.

No entanto, uma relação a dois, um casamento (seja ele homo ou heterossexual) construído tendo por alicerce a dependência, (qualquer uma delas, a sexual, a econômica, a afetiva etc.) certamente não será satisfatório.

Para construir uma vida a dois é preciso que haja a união de dois inteiros e não de um inteiro mais um incompleto.

Enquanto a nossa sociedade acreditar que uma mulher só é completa ao lado de um companheiro não sairemos da visão machista do mundo. Enquanto as próprias mulheres acreditarem nessa ideia equivocada não conquistarão independência alguma, por mais bem sucedidas que possam ser em suas carreiras profissionais, por exemplo.

Um ser que se assume como dependente não é inteiramente sadio do ponto de vista da saúde mental.

É claro que existem, no Brasil e no mundo, muitas mulheres independentes e realizadas e que estão simplesmente sozinhas; algumas não sentem necessidade de sexo, outras descobriram o prazer do sexo solitário. E dão conta de sua vida, com ou sem filhos, muito bem.

Quer um exemplo? Eu! Fiquei viúva em 2021, depois de um casamento feliz e bem sucedido que durou 38 anos. Vivi – e talvez ainda viva hoje – um luto profundo. Mas, nem por um dia, abandonei o meu trabalho, as minhas atividades. Hoje me sinto feliz e realizada, mesmo que o meu amor viva apenas dentro de mim. Tenho minha casa, meus periquitos australianos (Philip e Elizabeth), tenho muitos amigos queridos e tudo o que eu não preciso agora é de um homem ao meu lado. Já tive o melhor deles, pelo menos o melhor para mim, por quase quatro décadas. Minha casa é linda, alegre, cheia de plantas, de livros e de música e, principalmente de amizades sinceras. E não há espaço, nem em minha cama, nem em meu coração, para outro homem.

No entanto, já houve alguns que chegaram aqui certos de que eu sucumbiria rapidamente aos “encantos” deles, que eles seriam, para mim, uma espécie de “salvação”. É a arrogância machista falando bem alto!

Nós mulheres precisamos desfazer-nos, de uma vez por todas, dessa ideia esdrúxula de que não somos nada sem um companheiro ao lado. Se formos completas, mentalmente sadias, se nos dedicarmos a nós mesmas, ao nosso trabalho, à nossa real vocação e aos nossos sonhos e ideais, aí, sim, seremos capazes de até encontrar um companheiro a quem amemos de verdade e que nos ame também.

Mas, se a cada bobão que aparecer em nossas vidas -- por quem sentirmos atração sexual ou atração pelo poder político ou econômico -- nos julgarmos capazes de viver toda a vida ao lado dele, estaremos dando voz à nossa incapacidade mental e social, estaremos reafirmando que precisamos, sim, de uma tábua-de-salvação e que não somos seres inteiros, mas metades dependentes.

É por isso que, em pleno século XXI, 84.5% da população mundial tem algum tipo de preconceito contra nós. Porque literalmente vestimos o traje de dependência que, em dois mil anos de preconceito, tricotaram para nós.

Isabel Fomm de Vasconcellos Caetano é escritora, produtora e apresentadora de TV, além de YouTuber. isabel@isabelvasconcellos.com.br