voltar para a página-site da escritora Maria José

 

(Julio Cesar, sd, O Cupinzeiro)

 

Uma Espantosa Bioengenharia

 

por

Maria José Silveira

 

 

Lá ia eu começar este texto dizendo que gosto de um bom cupinzeiro, mas me detive a tempo. Não seria verdade. Não é que eu goste. É que me interessam.

 

 

Podem chamar de deformação cultural mas aqueles morrinhos preenchendo a vastidão do cerrado sempre me intrigaram um pouco.

 

Desde criança, achava legal quando os via, pela janela do carro, na paisagem das estradas. E mesmo sabendo que não eram apreciados, considerava uma maldade quando, em algum descampado, via um desses montinhos esborrachado pelo pé ou mão de sabe-se lá de quem. Pensava que era ali que eles moravam.

 

Ainda não sabia que os murundus são formados pela terra que os cupins escavam para construir os túneis subterrâneos onde, de fato, moram.
 

Com o tempo, e por outras paisagens, fui deixando de ver cupinzeiros. E se houve um momento em que eu até sabia se eles eram sinal de terra boa ou ruim, hoje fico na dúvida. Um conhecimento que, a mim, urbana até o tutano dos ossos, nunca fez falta.
 

Ainda assim, e com meu zero conhecimento sobre o assunto, o fascínio de criança persistiu na idade adulta. Até hoje, quando em alguma estrada vejo um cupinzeiro da janela do carro, minha alegria só é menor do que quando vejo uma bela boiada branca, com seus mugidos e resfolegos.
 

E eis que agora fico sabendo que eles – os danados dos cupins – são os construtores da maior e mais antigo sistema de túneis interligados, uma verdadeira “megalópole cupinzeira”, que se estendem por cerca de 230 mil quilômetros quadrados entre a Bahia e parte de Minas Gerais! Maior que a Inglaterra! Os pesquisadores que o descobriram chegaram à conclusão de que esses mais de 200 milhões de montes cônicos foram escavados por uma mesma espécie de cupim, entre 690 e 3820 anos atrás.
 

Visto de cima (fui ver no Google) é impressionante. São murundus bem maiores do que jamais pensei possível. Mas não vi neles a graça dos pequenos que, de tão bem feitos, dão a impressão de ter certa coesão interna. Esses, em comparação, são gigantes. Têm o mesmo formato cônico, mas cerca de 2,5 metros de altura por 9 de largura na base.

E são mais esparramados, dando a impressão de desleixo, como se a receita do bolo tivesse desandado. Imagina! É claro que não desandou, pois aí estão eles espantando o mundo. Pelos cálculos dos pesquisadores, são mais de dez quilômetros cúbicos de terra escavada, o equivalente a quatro mil das Grandes Pirâmides de Gizé, no Egito.
 

Portanto, se ouso criticar a estética aparente dos montes produzidos, em nada diminuo a grandiosidade do que fizeram.
 

Imagino-os aos quatrilhões ou mais, indo de lá para cá em seus milhares de quilômetros de túneis, admirando orgulhosos seus subterrâneos. Ainda bem que só saem dali para buscar as folhas com que se alimentam. Caso contrário, o que seria de nós?
 

E mais não digo por que neste 2019 qualquer absurdo pode ser possível aqui no Brasil.