voltar para a página-site da escritora Maria José Silveira

 

Ridículas pérolas
Maria José Silveira
 

(Norman Rockwell, 1956, Aniversário da Professora)

 

 

 

 

Esqueceu também dos tempos de pobreza que vocês dois viveram, e ela trabalhava como professora e o senhor como o quê mesmo, papai? Não tenho lembranças dessa época, mas ouvi dizer que o senhor vivia desempregado – por quê, papito? – enquanto mãezinha cuidava de mim, cuidava da casa, e dava um monte de aulas pra botar comida na mesa. Era ela a provedora da família, disso o senhor lembra?

...por favor, não vá se descuidar e repetir hoje o que o senhor gostava de lhe dizer, que vida de professor é pra quem não consegue outra coisa...

 


Um cara que se achava muito esperto, e repentinamente se tornara famoso por suas pérolas jogadas ao povo, jogou mais essa: “Homens adoecem menos que as mulheres; eles trabalham mais e não têm tempo.”.
Ui, ui, ui!
Ele disse isso, foi? Foi.
 

Mas sua própria filha, dessa vez, houve por bem lhe enviar uma mensagem nas redes sociais:
 

“Papaizinho, querido, você se esqueceu de mim e da mamãe? Esqueceu que trabalhamos fora e, em casa, continuamos trabalhando pra que nada lhe falte? Depois que ficamos ricos (obrigada, paizão!) tem as domésticas, mas sempre sobra algo pra mãezinha fazer (pra mim, não; sou só filha). Mamãe esquenta seu jantar no micro-ondas, cata suas roupas que ficam jogadas no banheiro, faz seu robusto café da manhã aos domingos, e outras muitas coisas que o senhor nem vê.

 

Esqueceu também dos tempos de pobreza que vocês dois viveram, e ela trabalhava como professora e o senhor como o quê mesmo, papai? Não tenho lembranças dessa época, mas ouvi dizer que o senhor vivia desempregado – por quê, papito? – enquanto mãezinha cuidava de mim, cuidava da casa, e dava um monte de aulas pra botar comida na mesa. Era ela a provedora da família, disso o senhor lembra? Lembra também que, como professora, além de dar aulas pra não sei quantas turmas, ela dormia tarde com tantas provas pra corrigir, e ainda fazia um monte de cursos pra aumentar o salário? Lembra?

 

E sei que não é sua área mas, por favor, não vá se descuidar e repetir hoje o que o senhor gostava de lhe dizer, que vida de professor é pra quem não consegue outra coisa. Ela jamais o perdoou por isso, sabia?
 

Também tem a Marinalva, outro exemplo. O senhor sabe quem é? A cozinheira que agora trabalha lá em casa? Sabe quanto filhos ela tem? Sete. Um morreu, dois saíram de casa, quatro moram com ela. Sabe que horas ela chega em nossa casa, depois de tomar 3 ônibus? 7:30. Trabalha até as 16 ou mais (não vá dizer nada sobre isso, paizinho, é trato dela com a mamãe). Colocando mais três ônibus pra voltar, Marinalva chega na casa dela por volta das 18. O senhor pensa que ela vai descansar? Não. Vai fazer janta pro marido e os 4 filhos. E também almoço pro dia seguinte, que o marido almoça em casa, vive desempregado, e deixa a louça pra Marinalva lavar quando chega. Mas acho que pelo menos pra pegar água ele deve entrar na cozinha.

 

E o senhor, papito? Conhece a cozinha da nossa casa nova?

 

Tem também Edileia, a faxineira, que trabalha até nos feriados pra sustentar os filhos.
Percebe agora quem trabalha mais, paizinho?
 

Mas perdoe pelo puxãozinho de orelha público. É que decidi me candidatar na próxima eleição, e Marinalva vai ser meu cabo eleitoral. Edileia também. (Terão tripla jornada, pobrezinhas!)
Amo o senhor, papito,
A filhoca.”