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Céu azul
Maria José Silveira

 

(Siron Franco, 1972, s.título)

 


 


 

 

 

Procurando um assunto que não falasse da nossa política e das manifestações de Fora Temer e Diretas Já que andam sacudindo o país - sei que muitos de vocês não gostam - fui dar com o céu azul de Hangzhou.

Hangzhou é a cidade chinesa que sediou a reunião do G-20, em 2017. Como toda cidade industrial, seu céu é poluído. E como céu poluído não é lá coisa pra se ver, o governo mandou suspender as operações de centenas de fábricas, decretou uma semana de férias e subsidiou

agências de viagens. Que os moradores da cidade viajassem e a deixassem as ruas desimpedidas e o encanto despoluído de um céu azul.
 

O que me surpreendeu nessa história não foi a tentativa de esconder a feiura da cidade ao olhar estrangeiro. Estamos bem familiarizados com essa decoração para inglês ver. Chegar até o céu é que é a novidade.
 

 

Tapar os problemas, eita coisa boa! Se a gente pudesse fazer isso sempre.

 

Eu taparia um monte de coisas. Primeiramente...., cala-te boca! Segundamente, taparia, por exemplo, os buracos da minha calçada. Sobretudo um, que não é exatamente um buraco, mas uma inclinação assassina causada pela raiz usurpadora (ops!) de uma árvore. Algo está errado com a calçada, e não na árvore que reivindica (ops!) espaço para suas raízes.


Taparia uma das bocas do meu fogão que não acende mais e um vazamento do apartamento de cima direto no meu banheiro.

 

Taparia um buraco na parede onde morava um Siron que tive de vender para pagar contas, já que meu trabalho de tradutora minguou com a crise das editoras. E taparia também um lugar misterioso no telhado do prédio onde os pombos vêm se aninhar e, com bicos e patas, são capazes de fazer tal barulho que me desperta no melhor dos sonos, o sono da madrugada. Fora pombos (êpa!), é meu grito ao acordar.
 

Na rua, a primeira coisa que eu taparia é uma barraca remanescente das barracas que ficaram por meses na frente da famosa FIESP, abrigando um lumpesinato pago para pedir doações políticas e infernizar a vida de quem passava. E para não dizerem que sou parcial, taparia também um homem-tronco que costuma passar (me perdoe, homem-tronco, mas me veria obrigada a tapá-lo porque não posso fazer nada por você - nada, nada - e cada vez que o vejo tenho uma aflição danada.) Seria muito cruel tapar um homem-tronco? Mas, me digam, o que eu poderia fazer?
 

Taparia também um aleijado que vende crack no parque. É o ganha-pão dele, mas é triste. Talvez deixasse uma janela no tapume, sou a favor da liberação das drogas; não entendo como nossa sociedade é tão hipócrita e fria com suas leis que criam tanto pobres vendedores como esse, como narcotraficantes, com seus crimes e conquistas de territórios. Gostaria muito de tapar tudo isso. O que parece ser bem mais difícil do que destapar o céu.
 

Ah!, céu azul de Hangzhou. Você deve ser bonito. Pena que nem todos os seus moradores possam vê-lo assim. Quando voltarem para o trabalho, a poluição volta junto.

 

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Evaldice Maria Ruck Cassiano Bom dia ! O que será que eu taparia?

Isabel Fomm de Vasconcellos Ah, eu taparia a boca da maioria dos políticos do Brasil! hahaha...