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Triste espécie
por Maria José Silveira

 

(Debret, 1830 década, Aldeia de caboclos em Cantagalo)


Cerca algumas semanas atrás, vi nas redes sociais a foto de uma moça bonita, ar corado de quem toma muito sol, sentada à proa de uma canoa. Era a pescadora Nilce de Souza Magalhães, desaparecida há cinco meses e cujo corpo, amarrado em pedras, acabara de ser encontrado. Nilce era militante do Movimento de Atingidos por Barragens (MAB) que denuncia violações de direitos humanos das comunidades ribeirinhas atingidas pela construção da usina hidrelétrica de Jirau, na Rondônia.
 

Talvez uns quinze dias antes, um jovem agente de saúde indígena, Cloudione Rodrigues Souza, também forte, também saudável, também bonito e queimado de sol, morreu ferido à bala por fazendeiros e seus capangas que chegaram em camionetes e abriram fogo contra grupos de índios guarani kaiowá, no Mato Grosso do Sul. Outras tantas pessoas foram feridas, entre elas uma criança de 12 anos. O grupo indígena estava próximo à sua aldeia, em uma terra indígena já reconhecida pela Funai, e ainda não demarcada. Como disse a ativista Ysani Kalapalo, em vídeo de protesto contra o ataque, referindo-se à indiferença da elite que, na defesa do desenvolvimento a qualquer preço, parecem afirmar com seus canos fumegantes: “Em nome do progresso vamos ter que matar alguns índios, e pronto.”
 

Por essas e muitas outras, o ano de 2016 está indo pelo mesmo caminho do ano de 2015 quando, por esse tipo de pensamento, ambição e assassinatos bárbaros, a organização não governamental Global Witness concedeu ao Brasil um título trágico e vergonhoso: somos o país mais perigoso para ativistas ambientais.

 

No ano passado, matamos cinquenta defensores do meio ambiente e da terra indígena. Cinquenta brasileiros que foram mortos principalmente em comunidades rurais da Amazônia, por resistirem aos desmatamentos, e ao agronegócio.
Depois de nós, as Filipinas ocupam o segundo lugar no pódio da destruição, com 33 assassinatos.
 

Diante disso, pode parecer estranho recordar o que disse o físico italiano, Carlo Rovelli, em seu pequeno (e excelente) livro, “Sete breves lições de física”. Nada mais longe da concretude da luta pela defesa do meio-ambiente na Amazônia do que um físico teórico, alguém poderia pensar. Mas pensaria errado. No final do livro onde discorre sobre gravidade, física quântica e outras questões assim fáceis, ele nos lembra que, pelo andar da carruagem, além de lidar com nossa morte individual, teremos que lidar também com a morte coletiva de nossa civilização. Diz ele:
 

“Eu acredito que a nossa espécie não vai durar muito tempo. Ela não parece ter sido feita com o material que permitiu à tartaruga, por exemplo, continuar existindo mais ou menos imutável por centenas de milhões de anos, ou seja, por centenas de anos antes de sequer começarmos a existir. Nós pertencemos a um gênero de espécie de vida curta. Todos os nossos primos já estão extintos. Mais ainda: nós causamos danos. As mudanças brutais do clima e do meio ambiente que provocamos dificilmente nos pouparão.”