Um tema perigoso

                                                           Maria José Silveira

                                                          

Ferdinand Hodler,

1915 a morte de Valentine 

Velhice: sofrimento, morte.

Se você prefere evitar esse tema por ser cruel demais, pare de ler. Mas eu gostaria que não o fizesse. Esse é um tema que, a cada dia que passa, se aproxima mais de todos nós que já nascemos com ele inscrito em nosso DNA. E me parece paradoxalmente saudável que esteja começando a entrar em pauta, colocado cada vez mais por uma geração que envelhece.

 

Quem viu o filme recente, “Amor”, de Michael Haneke – e mesmo quem não viu, mas leu a respeito – sabe que é justamente disso que o filme trata.

Muita gente não gostou. Achou tétrico, inverossímil, chamou o “amor” do título de macabro.

 

Embora seja difícil falar de um filme sem contar o final – e não querendo atrapalhar quem porventura ainda for assisti-lo – talvez eu possa tratar aqui apenas do realmente essencial: o amor de um casal envelhecido e já sozinho.

 

A mulher (magistralmente interpretada pela ainda bela Emanuelle Rivas, que só por grande injustiça do Oscar não levou o prêmio este ano) é quem sofre a degeneração primeiro. Ela odeia hospitais e faz o marido prometer deixá-la em casa. O marido (também magistralmente interpretado por Jean-Louis Tritgnant) cumpre sua promessa, e é então que o desespero se instala na domesticidade, e o amor se expressa de maneira inusitada. 

 

A construção cinematográfica desse desespero é extremamente eficaz, e por isso o filme é cruel. Como a vida não poupa o casal, o cineasta tampouco poupa seus espectadores. Sua proposta é essa e ele a realiza com perfeição. Não à toa é um dos grandes cineastas do momento.

 

A discussão colocada por ele é uma questão que a sociedade hoje já tem condições de enfrentar: temos ou não o direito de decidir não querer mais sofrer e – por isso e nada mais do que por isso – decidir que chegou nossa hora de morrer?

 

Lamento, mas precisamos começar de fato a discutir esse tabu. Com medo ou sem medo. Sendo religioso ou não (quando foi que as igrejas colocaram na boca de Deus esse mandamento?). Tendo ou não feito o juramento médico (quando foi que o juramento de curar virou a manutenção vã de mais sofrimento? Ou quando a vida de uma pessoa passa a não ser mais dela e sim dos outros, inclusive da voraz indústria farmacêutica?). 

 

Temas perigosos. Complicados. Profundíssimos.

 

Mas já está passando da hora de começarmos a enfrentá-los. Pois como já disse Marx, “A humanidade só se coloca os problemas que já têm condições materiais de resolver.”

 

Filmes como esse do Hanecke, e como foi antes o “Invasão dos Bárbaros”, do Dennys Arcand e “Mar adentro”, de Alejandro Amenábar, e livros como os últimos de Philip Roth, com seu “O Homem Comum”, estão abrindo essa discussão. E quando os artistas começam a cutucar um tema, é sinal, quero crer, que já estamos maduros para começar a prestar atenção.

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