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                                                      Todos os Bruxos

                                                por Isabel Fomm de Vasconcellos            

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Existe uma noite, aqui na Terra, em que aqueles que morreram voltam para visitar os que aqui ficaram e, com eles, têm laços de afeto e amor.
 

É a Noite dos Mortos, conhecida e celebrada pelos Druidas e Magas Celtas, durante séculos antes da era cristã.

Os cristãos, quando dominaram os povos celtas, assimilaram muitas de suas festividades, transformando-as em datas comemorativas da igreja. Por exemplo, as festas juninas, como as conhecemos hoje, eram os festivais celtas dedicados à deusa da fertilidade, onde se dançava (como se dança a quadrilha) em torno das fogueiras e os casais faziam amor (para a igreja, pecavam...), tudo para que a Terra não lhes negasse uma boa colheita.

Já o Dia de Todos os Santos, véspera de Finados, veio do Dia dos Mortos dos celtas, veio do Samahin que, talvez para não morrer, deu origem ao hoje brincalhão Halloween, em 31 de outubro, a noite em que os mortos visitavam seus entes queridos aqui no planeta. A noite da vigília. All Hallows’s Eve – a noite de todos os Sacramentados...

Para combinar com a doutrina dos cristãos, a All Hallows’s Eve (A Véspera de Todos os Santos) se tornou O dia de todos os santos. Esse dia era celebrado, pelos cristãos, até 741DC, no dia 13 de maio, mas, nesse ano, o Papa mudou a data para um dia depois do início da celebração da Noite dos Mortos dos povos então considerados “bárbaros” pela igreja.
Entre esses, os druidas e as magas celtas que acabariam nas fogueiras da inquisição.

Foi assim que as magas e os magos, com suas abóboras iluminadas para guiar os mortos, os seus caldeirões onde preparavam medicamentos fitoterápicos, os seus cristais onde se concentravam para conseguir a visão de lugares distantes (isso não é parecido com televisão e celular?), os seus rituais de amor e a sua comunicação com mundos paralelos, acabaram sendo identificados com o Mal, com o terror, com a feiúra... Feios, maléficos e terroristas certamente foram os agentes da inquisição e todas as barbáries que cometeram em nome de um ser iluminado que veio à Terra para pregar a paz e o amor e acabou pregado numa cruz.

Antes de dormir, nesse Dia das Bruxas, peça ao universo que lhe traga em sonhos algum ente querido que partiu. Dá certo.
 

 

 

 

 

(John William Waterhpouse, 1886, O Círculo Mágico)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Meu Encontro com Wanda

 

No Dia das Bruxas, quando se abriu aquela porta que separa o mundo dos vivos do mundo dos mortos, embora eu não tivesse providenciado nenhuma abóbora iluminada, saí a caminhar pela beira da praia ao entardecer e, de repente, na praia já bem deserta, uma figura muito esbelta que vinha em sentido contrário, chamou a minha atenção. Era uma mulher longilínea, usava um vestido fora de moda e um elegante blazer de albene, certamente colocado às pressas para protegê-la do friozinho de fim de tarde.

Quando nos cruzamos ela sorriu e eu a achei incrivelmente familiar. Parecia ter saído de um velho álbum de fotos. Demos apenas alguns passos e ela me chamou:

- Seu nome não é Isabel?

Eu me voltei.

- Sim, eu sou Isabel.

Ela riu, meio tímida, levando a mão direita aos lábios. Então a reconheci. Era a minha mãe, Wanda, aos 18, talvez 20 anos de idade.

- Você é Wanda? – perguntei.

- Como sabe? – respondeu ela se aproximando.

- E como você sabia que eu era Isabel?

- Não tenho certeza, foi um palpite. Sabe, um dia, terei uma filha e darei a ela o nome de Isabel, em homenagem à Princesa, a Redentora, que acabou com a escravidão no Brasil. Isso porque minha filha vai nascer em 13 de maio.

- Você parece muito segura do seu futuro, Wanda.

- Ah, -- riu ela, tirando um  cisco imaginário da saia godê de seu vestido, -- isso é porque eu já vivi essa história e parece que estou pronta a vivê-la de novo...Não sei explicar muito bem.

Lá adiante, sob os coqueiros, havia um quiosque. Propus:

- Vamos nos sentar numa daquelas mesas e conversar um pouco? Isto é, se você não se importar de ser vista conversando com uma mulher tão mais velha como eu...

- Imagine, Isabel, você é uma simpatia e nem parece velha...

- Bom, eu tenho um bom cirurgião plástico, mas nem ele consegue fazer milagres quando se está a um passo dos sessenta...

Ela riu:

- Você é vaidosa!

- Muito.

- Ah, você pode ser mais velha, mas tem um corpo muito bom, muito sensual. E olhe para mim: meus primos costumam me chamar de Chico Esqueleto de tão magra que sou.

- Mas você, magra assim, é o sonho de todas as mulheres de hoje.

Ela pareceu desconcertada.

- Hoje? Que dia é hoje?

- 31 de outubro de 2010.

Desta vez, o que li no rosto dela foi alívio e logo veio uma gargalhada, daquelas bem sinceras, que eu passei a vida admirando nela.

- Ah, bem que eu sabia que estava sonhando. Bem bonito esse sonho com o futuro. Porque todo mundo sabe que hoje é 11 de agosto de 1933...

- E você deve estar preparando o seu enxoval... – interrompi eu.

- Ué, você é alguma adivinha?

- Você vai se casar com o Alfredo em dezembro. É uma vitória, não? Vocês lutaram contra o mundo para ficar juntos.

- Ainda bem que isso é mesmo um sonho. Você sabe até o nome dele.

- Sei muita coisa sobre você.

- Mas olhe – disse ela então com aquela praticidade que sempre a caracterizou—se você tem quase 60 anos em 2010, então no meu tempo você está longe de nascer...

- Nasci dia 13 de maio de 1951.

Ela deu um pulinho, um sobressalto, como num soluço. Nós estávamos sentadas, então, nas mesas do quiosque e a noite estrelada descia rapidamente sobre nós.

- Você é a minha filha.

- Sim, eu sou Isabel Almeida Fomm de Vasconcellos Caetano, sua filha caçula, nascida 15 anos depois do seu filho mais novo. O mais velho é o Alfredinho, nascido em 1934 e o mais novo é o Alvan, de 1936.

- Eles morreram antes de mim, não é?

- Sim.

- Eu sabia. Ainda ontem eu disse à Jeannette, minha irmã, que sabia que morreria depois dos meus filhos... oh... me desculpe.

- Depois dos seus filhos, não da sua filha...

- Eu já morri, não é? Não poderia estar viva em 2010... eu teria 98 anos... ah, mas melhor não saber. E você, filha? Como tem sido a sua vida? Você é feliz?

- Sim, mãezinha, sou feliz, mas trago no peito uma dor aguda, a mesma que me fez enfartar...

- Por que, minha filha? Que dor é essa?

- É a dor de imaginar que não fiz tudo o que podia por você.

- Ah... Mas você fez sim. Você fez até mais do que podia.

- Como você sabe, mãe? Para você eu ainda nem existo.

- Não sei como eu sei, mas sei e pronto.

Eu ri.

- “...E pronto”. Você vivia dizendo isso. Estava sempre ocupada com seu trabalho e eu, acostumada com o excesso de mimos do meu pai, vivia pedindo beijos pra você e você me beijava e dizia: “pronto.” Como quem acaba de cumprir uma obrigação... – e eu ri: -- agora eu acho engraçado mas me lembro que ficava muito puta da vida...

-- E hoje? Você tem quem te mime?

-- Ah, claro, o Caetano vive me mimando, o meu marido.

Então ela aproximou a mão do meu peito e fez um gesto parecido com aquela brincadeira da minha infância, em que os adultos fingiam arrancar o nariz das crianças e, ato contínuo, ergueu o braço com a mão fechada e fingiu jogar alguma coisa ao vento.

- Pronto – disse ela. Joguei fora a sua dor no peito.

- Simples assim? E as tuas dores, as dores que eu te causei?

- Não me lembro de nenhuma. Você se lembra de alguma dor que eu te causei?

Tive que sorrir:

- Imagine, se houve alguma eu já a esqueci.

- É isso – disse ela, com firmeza, e já se levantando.

- Onde você vai?

- Não sei, mas tenho que ir. Meu tempo nesse tempo está esgotado.

Fiz um gesto para me levantar também.

- Não. Fique aí, Bel – disse ela, usando o meu apelido. – Peça uma cerveja e curta um pouco as estrelas. Eu vou indo em direção ao mar. E o mar me levará às estrelas, essas mesmas que você estará fitando.

- Adeus mãezinha – disse eu com lágrimas nos olhos e querendo abraçá-la mas já sabendo que isso seria impossível.--  Você é linda, maravilhosa e chique com esse vestido esvoaçante e esse chiquésimo casaco de albene.

- Acha mesmo? – perguntou ela toda coquete. – Fui eu mesma quem fiz.

- É claro – disse eu, lembrando do sucesso dela como modista das ricaças paulistanas nos anos 1950 e 60.

Então ela se voltou e saiu caminhando em direção ao mar. Foi sumindo, se esmaecendo de leve, e eu pensei ter vislumbrado o vulto de um homem ao lado dela.

Pedi uma cerveja à garçonete. A noite estava muito estrelada.

Isabel, 31 de outubro de 2010.

 

 (ps: eu não me lembrava. Mas a foto que escolhi para ilustrar esse texto foi tirada no dia 13 de maio de 1934 e minha mãe estava grávida do Alfredinho, que nasceria em 24 de setembro do mesmo ano...)

 

Graça Teixeira Bjs linda, adorooooo suas dicas no quadro do Mister Volpi, vou fazer, e te falo,

 o que você ensinou, obrigada, que coração iluminado, bjs😘😘😘
  

 

 

 

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