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A Pior Idade e a Pior Morte

por Isabel Fomm de Vasconcellos

 Munch 1895, Agonia

 

 (com comentário da Dra. Marisa D'Agostino Dias, médica intensivista)

 

Quem inventou essa história de “Melhor Idade” deve ser um especialista em tapar o sol com a peneira. Depois dos 60, começa a pior idade, isso sim.

 

A cabeça pode ter melhorado (depende do dono dela, não é?), mas o corpo só piora. Se assim não fosse, os planos de saúde não quadruplicariam as mensalidades de quem envelhece.

 

Além da decadência física (que não tem plástica que segure, nem exame preventivo que impeça) existe a decadência econômica. Com exceção dos muito ricos ou dos que tiveram a sapiência e o poder aquisitivo para fazer uma previdência privada, os velhos ganham muito mal ou não ganham nada.

 

Quem ocupava altos cargos, quem tinha poder, quem era executivo, político, autoridade, celebridade ou qualquer outra coisa que confira

poder, precisa ser muito bom de cabeça pra não cair em depressão com a chegada da tal “melhor” idade e a consequente perda de poder que vem junto com a aposentadoria.

 

Para os que queimaram neurônios com drogas vem, quase sempre, a demência senil e o cara se torna um verdadeiro idiota.

O fantasma do Mal de Alzheimer ronda a maioria dos que passam dos 80, com suas horríveis promessas de tornar o sujeito um absoluto dependente que não reconhece nem a própria família e precisa de ajuda para tudo, tudo mesmo...

Isso é apavorante o suficiente para que deixemos de lado outras doenças, males e limitações que podem vir junto com a idade.

Envelhecer é um absoluto terror.

 

E, pra piorar um pouco mais, quase todo mundo acredita que também não pode mais fazer sexo (especialistas afirmam que é mito: claro que pode! E deve!).

Mas ainda existe um calvário maior: o da UTI.

 

Velhinhos nas UTIs costumam ter suas vidas prolongadas artificial e inutilmente e os médicos acham que estão “salvando” a vida do infeliz, condenado a passar seus dias numa cama de hospital, entubado, parecendo um homem biônico que não deu certo, sofrendo os horrores da traqueotomia e outros buracos pelo corpo. Tudo isso, pago em ouro. Muitas famílias perdem todo o seu patrimônio nessas tentativas de “salvar” pessoas que seriam muito mais felizes se fossem deixadas morrer em paz e no ritmo da natureza.

Médicos com um mínimo de humanidade sabem que não adianta prolongar vidas artificialmente. Não é para isso que as UTIs foram criadas. Elas foram criadas para salvar vidas que têm salvação, e, diga-se de passagem, fazem isso com uma eficácia que cheira a milagre.

 

No entanto, para aqueles que não têm recuperação, a UTI é a pior morte.

 

Existem casos, em centros de excelência da medicina em São Paulo, de pessoas que estão vegetando em UTIs há anos. São os mortos-vivos. Parece conto de terror.

Há algum tempo, na Itália, o pai de uma moça que, sem esperança de recuperação depois de um acidente, vegetava numa UTI havia anos, conseguiu vencer a batalha judicial para desligar os aparelhos que a mantinham viva.

O Brasil precisa urgentemente criar novas leis e novos procedimentos para impedir que, além da tristeza do envelhecer, haja, para alguns, o calvário da internação inútil numa UTI.

 

Mas nem tudo são espinhos. Podem existir rosas para quem passa dos sessenta. Depende não só da genética mas, principalmente, da atitude.

Existem velhinhos malhando na academia, caminhando nos parques, dançando nos bailes, fazendo trabalho voluntário e até trabalhando mesmo, em empresas que não têm preconceito de idade, como, por exemplo, as empresas de comunicação. Nas redações, nas rádios, nas TVs, muitos profissionais não perdem o emprego apenas por entrar na tal da terceira idade.

(Mais uma coisa: chamar os velhos de “idosos” é de um mau gosto sem fim.)

 

O velho que você será depende do jovem que você foi.

Por isso cuidados são necessários. Boa alimentação, bons hábitos, saúde mental, leitura, sexo, exames médicos preventivos, atividade física e mental... Tudo vai ajudar a Pior Idade a ser bem melhor, embora nunca seja “a melhor”.

Principalmente, é preciso fugir dos bobos que tratam os velhinhos como se eles tivessem voltado a ser crianças.

Nada mais triste do que, depois de ter enfrentado os leões da vida por tantos anos, ser chamado de “gracinha”.

 

Isabel Fomm de Vasconcellos

 

De: <mariza@

PARA: "Isabel

Assunto: Re: Fw: A Pior Idade e a Pior Morte

 

Querida Isabel

 

Sou médica intensivista há 45 anos. Não só eu, como a maioria dos colegas, também acha absurdo que pacientes em vida vegetativa permaneçam nas UTIs por meses ou até anos. Quanto a isso estamos de pleno acordo.

Porém a questão não é tão simples. Na maioria das vezes, o paciente se torna inviável no decorrer do processo de tratamento; não é possível prever desde o início que a resposta às medidas terapêuticas será parcial, isto é, evita-se a morte, mas o paciente não se recupera completamente. Assim, ele estaciona num patamar de dependência de equipamentos e medicamentos que o obrigarão a permanecer na UTI. O paciente torna-se um "crônico de UTI"; não se pode imputar responsabilidade sobre isso a ninguém individualmente; certamente não é do interesse nem dos médicos, nem dos hospitais, nem das operadoras de saúde, nem dos pacientes, nem das famílias que a situação chegue a isso.

É pouco provável que mudar a legislação tenha algum efeito, pois não se trata de um problema jurídico. Além disso, esses pacientes surgem na maioria das vezes, como efeito indesejável de uma série de casos bem sucedidos, são uma minoria, cerca de dez por certo de pacientes muito graves, cuja evolução foi desfavorável. Repito que a maior parte dos pacientes idosos que morrem, não estão nessa condição de "crônicos de UTI". Por outro lado, é bastante comum que para quem está vendo de fora, pareça uma situação absurda, porém boa parte das famílias aceitam e até incentivam a manutenção dos pacientes, sem restrições, porque tem esperança que eles ainda venham a se recuperar.Muitas famílias preferem essa situação do que perder o parente, porque tem esperança na recuperação. Muitos médicos preferem manter o paciente porque não tem suficiente segurança de que o processo seja irreversível. Algumas famílias querem manter o paciente porque ele continua tendo direito a alguma pensão ou outro tipo de vantagem pecuniária. Da mesma forma, algumas pessoas da família podem desejar a morte do paciente para receber heranças.

Devo ainda chamar a atenção de que esses pacientes estão confortáveis do ponto de vista físico. Estão inconscientes ou sedados, sem dor, sem frio, calor ou fome. Não fazem esforço nem para respirar. A situação incomoda mais a quem está assistindo de fora, por se criar um anti-climax, um desenlace que não vem.

A Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB) vem discutindo essa e outras questões morais/religiosas/filosóficas há vários anos; muitas UTIs tem psicólogos entre seus profissionais para ajudarem no suporte às famílias e eles também trabalham nisso. Tudo é um processo... A seu dispor

 

Mariza D´Agostino Dias - ex-médica supervisora da UTI do Trauma da USP

médica-chefe da UTI Geral do Hospital 9 de Julho

 

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