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EVARISTO PAIXÃO

por Isabel Fomm de Vasconcellos

Tenho um amigo, o Evaristo que é especialista em apaixonar-se. O Evaristo não vive sem um grande amor.
Ou melhor, uma grande paixão.
Se você o encontrasse por acaso, pela expressão, perceberia. Se o corpo estivesse um pouco curvado, os ombros caídos, os olhos sem brilho (e note que ele é grau 6 de miopia) e os gestos pouco fogosos... Ops! Na certa ele estaria sem paixão. Verdade que isso é caso raro. Porque, mal acabou de constituir uma nova família, o Evaristo “pelos meandros do destino” (a expressão é dele) encontrará por um “acaso incrível” aquela que, naquele momento, passará a ser a mulher dos seus sonhos. Então... haja telefone, ouvido, rede social, paciência e ombro para acompanhar o desenvolvimento de mais uma paixão.
Acho perfeitamente compreensível.
Não tem gente que coleciona selo? Moeda? Cinzeiro? Automóvel?
O Evaristo coleciona paixões. Lembranças.
E não me venham com o argumento de que selo, ou moeda é investimento, porque paixão, pro Evaristo, também é.
Investimento que se capitaliza para fornecer maiores possibilidades emocionais na hora de encarar a próxima.
Em termos financeiros, o investimento é péssimo, isto porque, via de regra, o Evaristo só e correspondido em suas paixões por mulheres dependentes. Mulheres que não têm renda própria ou atividade remunerada. Mulheres (casadas ou não) que estão mesmo precisando de atenção, carinho, dedicação... Aí, prato cheio. O Evaristo acerta, na mosca.
Vive endividado. Não há florista ou bomboniere que lhe dê mais crédito. Alugar casa ou apartamento também ficou impossível, pois fiadores profissionais ao ouvirem o nome dele ao telefone já perguntam em pânico: Evaristo, de que? Se for..."Chii...é aquele!”
Mas que coisa bonita é o Evaristo apaixonado!
De feio – que ele realmente é – torna-se interessantíssimo. Adquire a postura de um deus, de um super herói, com a beleza e a força irradiadas pela felicidade, pela plenitude que só tem as pessoas pacíficas, de bem com o mundo.
Problemas? Ele não tem nenhum. E torna-se, assim o melhor dos ouvintes, o mais ajuizado dos conselheiros, o mais agradável companheiro.
Quando iniciei esta narrativa eu disse "tenho um amigo". Disse porque, para mim, Evaristo será sempre amigo, estará sempre comigo. Devo muito a ele, à sua alegria de apaixonado, ao seu otimismo, ao seu altíssimo astral, à energia positiva que vinha dele.
Deveria ter dito “tive um amigo”.
Evaristo morreu ontem. Em seu velório, nove viúvas e uma infinidade de filhos, todos unidos na dor. Porque todos o compreendiam e aceitavam como ele era. Suas mulheres sabiam perfeitamente que, no momento em que Evaristo não mais se apaixonasse, já não mais seria capaz de amá-las com a mesma força.
Feminismos à parte, digo e assino embaixo, eram felizes com ele.
E se pensam que a morte do Evaristo foi devida a alguma espécie de drama passional, sinto decepcioná-los.
Evaristo morreu de repente. De parada cardíaca.
Como devem morrer os apaixonados.

 

 

Portinari, 1940 Namorados

 

 

Não tem gente que coleciona selo? Moeda?

Cinzeiro?

Automóvel?
O Evaristo coleciona paixões.