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        O Manifesto das Florzinhas

            por Isabel Fomm de Vasconcellos                                    

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Borguereau, Reading the Bible

 

Há anos, o 8 de Março, Dia Internacional da Mulher, me faz escrever, dar palestras, pensar.

 

Nos anos 1980, quando a data era maldita pois vivíamos na ditadura, falei na TV sobre esse dia. Fui altamente esnobada e debochada pelos amigos.

Mas, naquele tempo, Dia Internacional da Mulher era coisa de comunista.

Hoje é coisa de Shoppings e comércio em geral. Dia de ganhar florzinha.

 

Virou um segundo Dia das Mães.

Ninguém mais lembra do que ele significa, do que ele representa.

Confesso que já estou meio cansada de, todo ano, todo ano, ficar lembrando as pessoas de que o 8 de março é um dia Feminista.

 

Feminista??? Ai!!! Que Horror!!!

Pois é. Feminista virou palavrão.

Intriga da Oposição, como se dizia antigamente.

A mídia se encarregou de divulgar apenas o lado ruim do feminismo (tudo tem lado ruim na vida). O lado radical (todos os movimentos sociais tem membros radicais que acabam depondo contra a própria causa).

Fez das feministas mulheres feias, mal amadas, frustradas, assexuadas.

Algumas são mesmo. Mas não são a maioria e nem fazem justiça àquelas que vem, literalmente há séculos, lutando pelo fim da escravidão do sexo feminino.

Escravidão? Que horror!!!

Escravidão sim.

 

Veja como era a condição social das mulheres ANTES do feminismo surgir, no final do século 18:

- a maioria não sabia ler ou escrever (pra que educar quem só vai cuidar da casa e dos filhos?);

- quando se casavam, se tinham bens ou propriedades estes passavam a ser dos maridos e, se por ventura tentassem “descasar” não levavam nada, nem os próprios filhos;

- não tinham direito ao prazer sexual, nem as mães de família e nem as prostitutas que só deveriam dar prazer e nunca receber;

- não podiam falar em público;

- quando incomodavam eram internadas como loucas, em hospícios;

- não podiam votar;

- pegas em adultério poderiam ser mortas pelos maridos sob a alegação de “legítima defesa da honra”;

- não podiam patentear o que por acaso inventassem;

- não tinham direito à nada, resumindo.

 

Se isso mudou (e só mudou de fato ao longo do século XX, ou seja, ontem) foi apenas porque algumas mulheres se revoltaram, começaram a falar sobre isso, a se rebelar, a ir pra rua em manifestações e, evidentemente, sofreram todas as consequências dos que ousam se revoltar contra o socialmente estabelecido: foram presas, espancadas, mortas, mutiladas, denegridas, chamadas de loucas, feias e mal amadas.

 

Mas venceram.

 

Conquistaram o voto, o direito à educação, à guarda dos filhos, à propriedade, ao prazer sexual, à conta bancária, à contracepção e até ao amor de verdade!

 

8 de março foi a data escolhida por Clara Zetkin e Alessandra Kollontai, no Congresso Socialista de 1910 para ser o dia de luta da mulher, um dia de reflexão sobre a nossa real condição na sociedade e não um dia de florzinhas e presentinhos... É uma data revolucionária.

Mas, muito mais do que isso, é a data de todas as mulheres, sejam elas de direita, de esquerda, de centro ou de nada, uma data para honrar as nossas antepassadas que conquistaram para nós tudo o que temos hoje. Foram elas, sim. Nenhum homem nos deu nada de bandeja.

O 8 de março é o dia do Orgulho Feminino.

 

E, não se iludam amigas, ainda há muito a conquistar. Nós ainda estamos divididas entre o lar e o trabalho, ainda ganhamos menos que eles na mesma função, ainda temos 25% das brasileiras de todas as classes sociais apanhando regularmente dos companheiros, ainda debocham de nós quando denunciamos qualquer atitude machista, ainda não temos voz e nem consciência política.

É isso. É só isso. É tudo isso. Haja amor pra mais um 8 de março.